O Estado de São Paulo (2020-05-13)

(Antfer) #1

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A8 Política QUARTA-FEIRA, 13 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


VERA


MAGALHÃES


N


ão é só a vitamina D, tão ne-
cessária nesses tempos em
que vivemos confinados,
que precisa da luz do sol para ser
ativada. Só a claridade vai tirar o Bra-
sil do impasse cada vez mais grave
em que Jair Bolsonaro joga o País.
O agente capaz de escancarar as
janelas e cortinas e iluminar dois cô-
modos que o presidente gostaria de
manter nas trevas é o mesmo: o Su-
premo Tribunal Federal.
O presidente da Corte, José Anto-
nio Dias Toffoli, bem que demons-
trou, em sua densa, porém cautelo-
sa, entrevista ao Roda Viva , minimi-

zar os riscos para a democracia que Bol-
sonaro representa com seus atos e pala-
vras. Apostou em diálogo e união de
todos os Poderes para enfrentar a crise.
Menos de 24 horas depois, a sessão de
cinema determinada pelo decano Celso
de Mello parece ter entornado a pipoca
da concertação nacional: segundo rela-
tos em off de alguns dos espectadores, a
reunião ministerial de 22 de abril se asse-
melhou mais a um filme de gângsteres.
Dada a gravidade dos spoilers de
quem viu o filme, Celso de Mello preci-
sa torná-lo público. Se há exortações à
prisão de membros da mais alta Corte
da Justiça e de governadores por parte

de ministros e a explicitação verbal pe-
lo próprio chefe de governo de que
quer proteção da Polícia Federal para
familiares e aliados, além da admissão
de que a revelação de seu exame para
covid-19 poderia alimentar um impea-
chment, as razões de segurança nacio-
nal obrigam à publicidade total da reu-
nião, e não à manutenção de seu sigilo,
como insiste o Executivo.
A outra persiana de informação públi-
ca que precisa ser erguida é justamente
a do exame, ou dos exames, de Bolsona-

ro para o novo coronavírus. Quando o
surto ainda não começara no Brasil, o
presidente foi com uma grande comiti-
va à Flórida para confraternizar com
Donald Trump. Boa parte da trupe tes-
tou positivo para covid-19. Outros que
tiveram contato com os descuidados

viajantes foram acometidos depois.
Bolsonaro disse ter testado negati-
vo, mas tripudiou: mesmo que pegas-
se, para ele seria só uma “gripezi-
nha” ou “resfriadinho”, dado seu
“histórico de atleta”.
Uma coisa é dizer que foi acometido
pelo vírus e ficou assintomático, algo co-
mum. Outra completamente diferente,
e de extrema gravidade em se tratando
de um chefe de Estado em meio a uma
crise de calamidade pública decretada a
seu próprio pedido, é mentir sobre o re-
sultado de um teste enquanto fura a ne-
cessária quarentena e prega contra as
medidas de isolamento social recomen-
dadas pelas autoridades de saúde.
Não se sabe se Bolsonaro fez isso.
Mas a insistência em esconder resulta-
dos de um simples exame (negativo!)
por parte de alguém que, há alguns anos,
exibia orgulhoso uma bolsa de colosto-
mia, aliada à frase dita por ele na reunião
ministerial, segundo os relatos, deveria
fazer o STF obrigar a Presidência a divul-
gar o resultado dos testes, sem essa his-

tória de nome falso ou de sigilo.
Na mesma linha da mentira de Esta-
do, Bolsonaro se jacta de ter entrega-
do a fita da reunião, sendo que pode-
ria tê-la “destruído”, se quisesse. Bale-
la! A partir do momento em que um
depoente em um inquérito afirma,
após jurar dizer a verdade, que um
documento oficial existe e pode pro-
var infrações, sua destruição é crime.
Episódios anteriores como o áu-
dio de Joesley Batista com Michel
Temer mostram a importância de
se ver e ouvir esse tipo de documen-
to antes de cravar conclusões. Na-
quela ocasião, fui dos que acharam
que a fala de Temer não permitia
chancelar a conclusão de que ele ava-
lizou o suborno a Eduardo Cunha.
Agora, só a luz do sol sem filtro
permitirá que se saiba se o que ocor-
reu em 22 de abril foi uma reunião
de trabalho de um governo demo-
craticamente eleito ou uma conspi-
ração contra os preceitos do esta-
do democrático.

E-MAIL: [email protected]
TWITTER: @VERAMAGALHAES
POLITICA.ESTADAO.COM.BR/COLUNAS/VERA-MAGALHAES/

Luz do sol


Emilly Behnke / BRASÍLIA
Ricardo Galhardo


O presidente Jair Bolsonaro
afirmou ontem que o vídeo
da reunião ministerial de 22
de abril não contém as pala-
vras “Polícia Federal”, “inves-
tigação” nem “superinten-
dência”. A reunião foi citada
pelo ex-ministro da Justiça e
da Segurança Pública Sérgio
Moro como prova de que Bol-
sonaro interferiu politica-
mente na Polícia Federal. De
acordo com o presidente, as
imagens da reunião foram
captadas apenas para regis-
tro e a “fita” poderia ter sido
destruída após a gravação
.
“Vocês vão se surpreender
quando esse vídeo aparecer”,
disse o presidente ontem, na
rampa do Palácio do Planalto.
“Continuam desinformando a
mídia. Esse informante, esse va-
zador, está prestando um des-
serviço. Não existe no vídeo a
palavra ‘Polícia Federal’ e nem
‘superintendência”, disse. Bol-
sonaro afirmou, ainda, que a pa-
lavra “investigação” também
não foi citada na reunião, ao con-
trário do que disse Moro em de-
poimento à PF.
“A preocupação minha sem-
pre foi depois da facada, de for-
ma bastante direcionada para a
segurança minha e da minha fa-
mília”, disse ele, quando ques-
tionado se citou a proteção de
sua família ao abordar a mudan-
ça no comando da PF. “A Polí-


cia Federal nunca investigou
ninguém da minha família”, ar-
gumentou.
O presidente também afir-
mou que entregou a gravação
para evitar comentários de que
ele teria sumido com o vídeo,
porque seria comprometedor.
“Entreguei por dois motivos.
Primeiro, porque acredito na
verdade”, disse ele, sem citar o
segundo motivo. “O vídeo é
meu. O vídeo não é oficial, mas

é meu”. Bolsonaro observou,
ainda, que a gravação está “sob
sigilo”, mas que a qualquer mo-
mento isso pode ser retirado.
Ainda de acordo com o presi-
dente, a gravação poderia até
ter sido destruída. “A fita deve-
ria ser destruída (...) e poderia
ter dito isso à Justiça. Mas ja-
mais faria isso”, observou.
Bolsonaro voltou a minimi-
zar o depoimento de Moro. “O
depoimento do Moro, com to-

do respeito, quem leu e leu com
isenção, viu que não tem acusa-
ção nenhuma. O do (Maurício)
Valeixo, a mesma coisa. Esse ví-
deo agora é a última cartada mi-
diática usando da falácia e da
mentira para tentar achar que
eu tentei interferir na PF.”
O presidente também negou
ter pressionado Valeixo, ex-di-
retor-geral da Polícia Federal,
para sair do cargo e disse que,
desde o ano passado, o delega-

do estava “cansado” e queria
sair. A dispensa de Valeixo foi o
pivô do desentendimento entre
Moro e o presidente e o fator
que desencadeou a saída do ex-
juiz da Lava Jato do governo.

Reação. Após surgirem os pri-
meiros relatos sobre o teor da
reunião ministerial do dia 22 de
abril, o tom dos comentários de
ministros e outros aliados do
presidente Jair Bolsonaro em

grupos de WhatsApp mudou.
Aqueles que antes se diziam
tranquilos em relação à possibi-
lidade de que o vídeo da reunião
agregasse algo às denúncias fei-
tas por Moro agora estão preo-
cupados. Para alguns assesso-
res, as falas do presidente duran-
te a reunião sobre a troca do co-
mando da Polícia Federal po-
dem trazer complicações se fo-
rem “tiradas do contexto”.
Até a semana passada estes
mesmos assessores diziam que
o único risco da divulgação do
vídeo era provocar uma crise en-
tre os poderes devido à forma
grosseira, com palavrões, com a
qual participantes da reunião se
referiram a ministros do Supre-
mo Tribunal Federal (STF) e
parlamentares influentes.
Para eles, Moro tinha objeti-
vo mais político do que jurídico
ao falar do vídeo. A ordem é in-
sistir na narrativa de que a preo-
cupação de Bolsonaro, ao se re-
ferir à PF, era com a segurança
de sua família e não com as in-
vestigações contra seus filhos.

Julia Lindner / BRASÍLIA


Em meio à pandemia do novo
coronavírus, o governo Jair Bol-
sonaro atingiu o pior índice de
avaliação da sua gestão, e pes-
soal, desde que assumiu o car-
go, segundo pesquisa da Confe-
deração Nacional do Transpor-
te (CNT) com o Instituto MDA,
divulgada ontem.
De acordo com o levantamen-
to, a fatia dos que avaliam o go-
verno como ruim e péssimo
cresceu de forma expressiva, de
31% para 43,4%, de janeiro a
maio deste ano. No mesmo pe-
ríodo, o porcentual dos entre-
vistados que consideram o go-
verno ótimo ou bom passou de
34,5% para 32%. Aqueles que
avaliam o governo Bolsonaro
como regular eram 32,1% no iní-
cio do ano, e agora são 22,9%.
A aprovação do desempenho
pessoal de Bolsonaro recuou de
47,8% em janeiro deste ano pa-


ra 39,2% em maio. Ao mesmo
tempo, a desaprovação subiu
de 47% para 55,4% – também o
porcentual mais negativo neste
quesito registrado nos quatro
levantamentos feitos pela pes-
quisa CNT/MDA desde feverei-
ro de 2019. Os que não opina-
ram foram 5,4%.
Até então, as piores avalia-
ções do governo e pessoal de
Bolsonaro haviam sido registra-
das em agosto de 2019. Naquele
mês, 53,7% dos entrevistados
desaprovavam o presidente e
39,5% reprovavam o governo.

Isolamento. O levantamento
aponta que a maior parte dos
entrevistados aprova medidas
de isolamento social para toda a
população para o combate ao
coronavírus. Para 67,3%, o dis-
tanciamento deve ser praticado
por todos, independentemente

de estar ou não do grupo de ris-
co – como prega Bolsonaro. Se-
gundo o levantamento, 29,3%
dos ouvidos consideram que o
isolamento deve ser restrito
aos grupos de risco. Os que
acham que não deve haver isola-
mento social, mesmo durante a
pandemia, são 2,6%.
A maior parte dos entrevista-
dos desaprova as manifesta-
ções antidemocráticas contra o
Congresso e o Supremo Tribu-
nal Federal (STF) que ocorre-
ram recentemente no País – em
alguns casos, os atos tiveram a
participação do presidente Jair
Bolsonaro. Segundo a pesquisa,
51,8% afirmaram ser contra as
recentes manifestações que pe-
diam o fechamento do Congres-
so e do STF, enquanto 28,8% dis-
seram ser favoráveis aos atos.
Outros 10,8% afirmaram não
ser nem a favor nem contra; e
8,6% não souberam ou não qui-
seram responder.
A pesquisa ainda questionou
sobre uma eventual mudança
na data das eleições munici-
pais, marcadas para outubro,
por causa da pandemia. Para
62,5% o pleito deve ser adiado.
Outros 30,4% acham que as da-
tas devem ser mantidas.

l Preocupação

Segundo presidente, preocupação com família é em relação à segurança e ‘vazador’ de teor da gravação de reunião está ‘desinformando’


Planalto. Jair Bolsonaro conversa com a imprensa após divulgação de relatos sobre vídeo de encontro com ministros

Reprovação do governo chega a


43% e bate recorde na pandemia


Só transparência total
vai resolver impasse duplo
que inquieta o País

l Por telefone
A pesquisa ouviu 2.002 entrevis-
tados entre 7 e 10 de maio em
494 municípios de 25 unidades
da Federação. A margem de erro
é de 2,2 pontos porcentuais para
mais ou para menos.

GOVERNO EM RISCO


DIDA SAMPAIO/ESTADÃO

Bolsonaro diz que não cita PF em vídeo


“A preocupação minha
sempre foi, depois da
facada, direcionada para a
segurança minha e da
minha família. A PF nunca
investigou ninguém da
minha família.”
Jair Bolsonaro
PRESIDENTE DA REPÚBLICA

47,
47

5,4%
1,7%

● Pesquisa realizou 2.002 entrevistas por telefone, com respondentes de 494 municípios
de 25 unidades da Federação

LEVANTAMENTO

Avaliação do governo Aprovação pessoal do presidente
ÓTIMO/
BOM

REGULAR RUIM/
PÉSSIMO

NÃO SABE/NÃO
RESPONDEU

OBS.: MARGEM DE ERRO: 2,2 PONTOS PORCENTUAIS

FEV
2019

AGO JAN
2020

MAI FEV
2019

AGO JAN
2020

MAI

34,
38,9 32,

67,3%

29

19
13,

29,

39,

2,

32,0%

22,9%

43,4%

APROVA DESAPROVA NÃO SABE/
NÃO RESPONDEU

FONTE: CNT/MDA

Isolamento social Eleições municipais em outubro

DEVE SER PRATICADO
POR TODOS,
INDEPENDENTEMENTE
DE SER OU NÃO
DO GRUPO DE RISCO

DEVEM SER ADIADAS
DEVIDO AO IMPACTO
DA CRISE DA
COVID-

DEVEM MANTIDAS
PARA A(S) DATA(S)
PREVISTA(S), APESAR
DOS IMPACTOS DA
CRISE DA COVID-

DEVE SER
PRATICADO
PELAS PESSOAS
QUE FAZEM
PARTE DO GRUPO
DE RISCO

NÃO DEVERIA
EXISTIR
ISOLAMENTO
SOCIAL

INFOGRÁFICO/ESTADÃO

57,

28,

14,

41

53,

5,

39,2%

55,4%

29,

62,5%

29,3% 30,4%

2,6%

2,4 5,

31,

Maior parte dos ouvidos


pela pesquisa CNT/MDA


critica atos contra STF e


Congresso e é favorável


ao isolamento social

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