Tudo o que Freud escreveu a respeito
da sexualidade gira em torno de
um dos principais conceitos da
psicanálise: o de que meninos querem
matar o pai e casar com a mãe.
“Que animal tem quatro patas de manhã,
duas ao meio-dia e três à noite?” A questão é
feita por um ser monstruoso: cabeça humana
seguida por corpo de leão e asas de águia. É a
esfinge que traz destruição e má sorte à cidade
de Tebas, e mata todos os passantes que não
conseguem solucionar seu enigma. “Decifra-me
ou te devoro”, ameaça o demônio – que sempre
cumpre a promessa. Até que um jovem forastei-
ro, chamado Édipo, segue em direção à esfinge
- depois de ele próprio ter matado um viajante
desconhecido com quem arrumou confusão na
estrada. Ao ser confrontado com a pergunta
fatal, compreende suas analogias e dá a resposta
precisa: “É o homem, que na infância engatinha,
quando adulto caminha ereto sobre duas pernas
e na velhice precisa de uma bengala”. Ao ter seu
enigma decifrado, a esfinge enlouquece e se
atira de um precipício, livrando Tebas de suas
maldições. Creonte, o regente da cidade, premia
então o viajante com o trono da cidade-estado,
e ainda oferece a própria irmã, Jocasta, para ser
esposa do novo rei.
Essa lenda do decifrador de enigma, produto
da riquíssima mitologia grega, virou tragédia
no teatro por volta de 430 a.C.: Édipo Rei, peça
de um dos mais importantes dramaturgos da
Antiguidade, Sófocles (495 a.C.-406 a.C.). A obra - que engrandece a lenda com personagens
coadjuvantes e diálogos cheios de emoção –
trata da funesta descoberta de Édipo a respeito
de suas origens.
Anos após o confronto com a esfinge, Tebas
atravessa novo período de dificuldades, agora
já no reinado de Édipo: a terra se torna infértil
e há uma onda de abortos espontâneos entre as
grávidas. Consultado, o Oráculo de Delfos –
centro religioso de profecias na Grécia Antiga - revela que a cidade só voltará aos tempos de
fartura quando o assassino de Laio – o antigo
monarca e ex-marido de Jocasta, morto miste-
riosamente anos antes – for encontrado e ex-
pulso da região. Só que ninguém sabe quem
cometeu o crime. Acreditava-se que a vítima
tinha caído nas mãos de assaltantes, para além
das fronteiras da cidade. Então, em meio a esse
clima de “quem matou Odete Roitman”, o rei
Édipo acaba descobrindo seu papel de mario-
nete do destino.
Mais jovem, ele havia deixado sua cidade na-
tal, Corinto, por causa de uma profecia: a de que
mataria seu pai e casaria com a própria mãe.
Apesar de não ter nenhum motivo para isso,
porque era bom filho, afastou-se tanto quanto
pôde para garantir que a sina nunca se cum-
prisse. O que ele não desconfiava é que, na épo-
ca em que nasceu, outra profecia terrível de
parricídio – gregos antigos adoram uma profe-
cia – assombrava os governantes de uma outra
cidade: justamente Tebas, para onde Édipo iria
já adulto. Laio e Jocasta, diante da informação
divina de que o filho deles, quando crescesse,
mataria o pai e tomaria seu lugar no trono, man-
daram sacrificar o próprio bebê. O problema,
para eles, é que esse assassinato não sairia como
planejado. O carrasco convocado para a execu-
ção ficou com pena do neném, então terceirizou
o serviço. Só que esse terceiro também amare-
lou, repassando mais uma vez a batata quente.
Foi de colo em colo, de hesitação em hesitação,
que o herdeiro de Tebas finalmente chegaria ao
lar de um casal que não podia ter filhos: sim, o
rei e a rainha de Corinto, aqueles que Édipo
acreditava serem seus pais.
Voltando ao tempo presente da peça, tudo se
esclarece a partir das delações de algumas tes-
temunhas: Édipo na verdade é filho adotivo; o
homem que ele matou na estrada a caminho de
Tebas era o seu pai biológico, Laio – o que faz
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