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de sua esposa sua mãe... com quem
ainda gerou quatro filhos.
Incesto! Maldição dos deuses gregos.
Diante dessa verdade aberrante, Jo-
casta se enforca, e Édipo cega os pró-
prios olhos.
“Se eu tivesse morrido mais cedo, não
seria o motivo odioso de aflição para
meus companheiros e também para mim
nesta hora!
E jamais eu seria assassino de meu
pai e não desposaria a mulher que me
pôs no mundo.
Mas os deuses desprezam-me agora
por ser filho de seres impuros e porque
fecundei – miserável! – as entranhas
de onde saí!”
Esse é o discurso de Édipo já perto
do fim do drama. Agora compare com
esta outra confissão:
“Encontrei em mim, como em toda
parte, sentimentos amorosos em rela-
ção à minha mãe e de ciúme contra
meu pai.”
Essa última não é de uma peça da
Antiguidade – embora não seja deste
século. Está numa carta de 1897 que
Sigmund Freud escreveu a seu amigo
e confidente Wilhelm Fliess. Foi o
primeiro registro da associação, feita
pelo pai da psicanálise, entre senti-
mentos incestuosos inconscientes e a
tragédia grega – e tendo o próprio
Freud como personagem.
Fã da cultura greco-romana, Freud
viu na tragédia de Sófocles a represen-
tação perfeita para uma teoria a respei-
to da sexualidade infantil e suas con-
sequências na vida adulta. O complexo
de Édipo é a formulação inconsciente,
na criança, que abriga um desejo pelo
genitor do sexo oposto e, paralelamen-
te, uma hostilidade para com o do mes-
mo sexo – relacionada a ciúme.
Sigmund Freud menciona publica-
mente o complexo de Édipo pela pri-
meira vez em seu livro mais impor-
tante, A Interpretação dos Sonhos.
Falando sobre o protagonista de Só-
focles, diz: “Talvez todos nós tenhamos
sido chamados a dirigir a primeira
moção sexual à mãe, o primeiro ódio
e desejo violento ao pai; nossos sonhos
nos convencem disso. O rei Édipo é
apenas a realização dos desejos de
nossa infância”.
É, portanto, praticamente junto com
a psicanálise que nasce essa estrutura-
ção subjetiva dos desejos, rivalidades,
escolhas e identificações da criança –
uma ideia que vai pautar todo o pen-
samento psicanalítico que viria a seguir.
Segundo Freud, esse complexo cos-
tuma durar dos 3 aos 5 anos de vida da
criança, ao longo da chamada fase fá-
lica (assunto do nosso próximo capítu-
lo) e ir embora a partir dos 6, quando
o desenvolvimento da sexualidade
entra num período de stand-by antes
da puberdade.
Ainda muito apegado à mãe, o me-
nino descobre que não é o único ob-
jeto de afeto dela. Existe uma pessoa
inconveniente que a mãe também
beija, abraça... vai para a cama com
esse indivíduo. O pai, claro. Conforme
a criança vai crescendo e dependendo
cada vez menos da mãe – já não mama
no seio dela e não tem mais fraldas
para trocar –, a intimidade entre os
pais volta um pouco ao que era antes,
e o pequeno percebe que alguma coi-
sa ali está fora da ordem – da sua or-
dem. Definitivamente, essa coisa de
triângulo amoroso não encaixa bem
na mente do menininho.
Repare que estamos falando em me-
nino. E a menina? Pode ser também,
Freud até indica um “Édipo invertido”
quando trata do complexo, pensando
na garota que se apaixona pelo pai e
sente raiva da mãe, sua rival nessa co-
média romântica. Mas, de verdade
mesmo, o inventor da psicanálise qua-
se sempre tem foco no homem em
suas teorias sobre a sexualidade. Quan-
do trata dos desejos femininos, passa
a chutar bem longe do gol. Talvez você
já tenha ouvido falar no complexo de
Electra, a versão para meninas do Édi-
po freudiano. É outra referência a um
mito grego – também encenado por
Sófocles –, nesse caso, da princesa que
assassina cruelmente a própria mãe
para vingar a morte do pai. Um erro
comum é achar que, por se tratar de
teoria psicanalítica, o complexo de Elec-
tra também seja criação de Freud. Não
é. Foi Carl Gustav Jung (1875-1961) – um
dos psicanalistas mais importantes da
história – quem criou o termo. Segun-
do a teoria, as meninas querem usar as
roupas da mãe e brincar com sua ma-
quiagem como forma de atrair o pai,
seu “marido”. Mas a coisa passa logo.
Quando não passa, se as meninas não
superam esse sentimento, acabam pro-
jetando a figura do pai em seus envol-
vimentos amorosos quando adultas – e
às vezes odiando a mãe.
Wilhelm Fliess (à direita) foi grande
amigo e interlocutor de Freud. Era a
ele que o pai da psicanálise expunha
dúvidas a respeito das próprias
teorias - e para quem confessou
sentimentos edipianos.
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