Dossiê Superinteressante - Edição 415-A (2020-05)

(Antfer) #1
DOSSIÊ SUPER 45

Sigmund Freud incluiu os ho-
mossexuais na categoria pouco
lisonjeira dos “perversos” em sua
teoria da sexualidade. Afirmou
que tinham um desvio no que
diz respeito ao objeto sexual –
que, segundo o padrão vigente,
deveria ser o sexo oposto. Aliás,
embora o termo homossexualidade
já vigorasse na Europa no começo
do século 20, o pai da psicanálise
ainda se referia ao interesse sexual
entre pessoas do mesmo sexo co-
mo inversão, e aos homossexuais
como invertidos. Era um reflexo
da mentalidade conservadora de
cem anos atrás. Mas, se estivesse
vivo hoje, Freud seria considerado
simpatizante da causa gay. Pelo
menos do ponto de vista teórico.
É preciso lembrar que Freud co-
locava nesse cesto dos pervertidos
toda a sexualidade não voltada
para a reprodução. E isso não tinha
nada a ver com dogmas religiosos


  • ninguém mais longe disso que
    ele. Era simplesmente uma questão
    de opor uma série de interesses e
    comportamentos sexuais ao que


se considerava a norma em seu
tempo. E, se você não vê gays as-
sumidos apresentando telejornais
ou protagonizando novelas, é por-
que os homossexuais ainda vão ter
muita luta pela frente.
Perversos, sim. Mas não “dege-
nerados”, como muita gente via os
homossexuais – e ainda os vê. A
explicação de Freud para isso é bem
estruturada. Diz que, para um in-
divíduo ser degenerado, ele preci-
sa ter vários desvios se apresen-
tando simultaneamente. Além
disso, precisaria ter sua capacida-
de de “funcionamento e existência”
seriamente comprometida por
causa da perversão. E Freud argu-
menta que a homossexualidade é
identificada em pessoas que não
têm outros desvios de normas –
incluindo gente de vida muito
pacata, aliás – e que há abundância
de gays expoentes da cultura e do
mundo intelectual, gente que “fun-
ciona e existe” muito bem.
“O que lhe interessava de ime-
diato não era valorizar, inferiorizar
ou julgar a homossexualidade,
porém compreender suas causas,
sua gênese e sua estrutura, do pon-
to de vista de uma nova doutrina
do inconsciente”, explica Elisabeth
Roudinesco, sua biógrafa. Por isso,
ao tratar dessa condição do ser
humano, Freud tirou dela tudo o
que pudesse ser encarado como
pejorativo ou associado a uma “do-
ença da alma”. Seguindo sua linha
de investigação, quis conceber a
homossexualidade como uma es-
colha psíquica inconsciente e con-
feriu igualdade aos homossexuais
em relação a seus pares héteros.
“A investigação psicanalítica opõe-
se à tentativa de separar os homos-
sexuais dos outros seres humanos
como um grupo particularizado”,
escreveu. Considerou ainda que a
homossexualidade é consequência
da bissexualidade psíquica presen-
te em todas as pessoas. Para ele,
somos todos bissexuais, e tornar-
se hétero ou homossexual depen-

de de como a repressão atua na
mente. Homens héteros reprimem
o que há de feminino em sua vida
psíquica; homens gays, não.
Mas por que alguém é gay? Em
1920, Freud apontou que esse “des-
vio” nos homens se dá no momen-
to de o indivíduo eleger seu obje-
to sexual, quando então prevalece
uma fixação infantil na figura da
mãe – além de um sentimento de
decepção com o pai. Um ano de-
pois, em sua obra Psicologia das
Massas e Análise do Eu, Freud
contextualiza a instauração da ho-
mossexualidade após a puberdade.
Mas ainda como reflexo de uma
situação da infância: o vínculo
forte entre o menino e a mãe. Após
as turbulências do complexo de
Édipo, em vez de o garoto se apro-
ximar da figura paterna, mantém
a associação com a mãe – não mais
como seu amante inconsciente,
mas agora se identificando com ela.
Essas “causas” da homossexua-
lidade sugeridas por Freud não
fogem tanto assim do que muita
gente pensa. O que impressiona
mesmo é sua perspectiva moderna
diante da homossexualidade, afir-
mando inclusive que a terapia
psicanalítica não deveria jamais
tentar “curar” homossexuais.
Em 1935, escrevendo para uma
mãe americana, que se lamentava
por ter um filho gay, Freud deu
esta declaração, muito à frente de
seu tempo: “A homossexualidade
não é uma vantagem, evidentemen-
te, mas nada há nela que se deva
ter vergonha: não é um vício nem
um aviltamento, nem se pode
qualificá-la de doença. Diversos
indivíduos respeitáveis, nos tem-
pos antigos e modernos, foram
homossexuais, e dentre eles en-
contramos alguns dos maiores de
nossos grandes homens (Platão,
Leonardo da Vinci etc.). É uma
grande injustiça perseguir a ho-
mossexualidade como um crime,
além de ser uma crueldade”.

s


sEM CURA GAY


Freud dizia que a homossexualidade
é uma escolha psíquica inconsciente.
E que somos todos bissexuais.

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