Dossiê Superinteressante - Edição 415-A (2020-05)

(Antfer) #1
DOSSIÊ SUPER 53

Em sua segunda tópica, Freud apresentou


três subpersonalidades em conflito: uma


que busca satisfazer desejos o tempo


todo, uma que adapta essa procura ao


mundo real e uma desmancha-prazeres.


O resultado dessa briga psíquica? Você.


Em 1954, pesquisadores da Universidade Mc-
Gill, no Canadá, descobriram que ratinhos po-
diam se matar de tanto perseguir sensações de
prazer. Os cientistas introduziram eletrodos
em algumas partes do cérebro dos animais e,
quando um rato batia a pata numa alavanca, ele
recebia um estímulo elétrico nessas regiões.
O estímulo tanto podia ser prazeroso como
repulsivo, ou não provocar reação nenhuma no
bichinho. A surpresa veio quando a escolhida
foi a área septal do sistema límbico – uma
parte responsável pelas nossas emoções. Os
ratos gostaram tanto dos choquinhos nessa
área do cérebro que não pararam mais de bater
na alavanca, sem dar bola para mais nada. Mais
nada mesmo: esqueceram-se de comer e beber,
e morreram de cansaço. Essa área, sabe-se hoje,
está relacionada às nossas sensações de prazer,
principalmente prazer sexual – é onde fica nos-
so centro de orgasmo. E o estudo canadense
revelava ali, mais de 60 anos atrás, a evidência
de que temos um centro de recompensa no
cérebro e que ele incita comportamentos in-
consequentes de autoestimulação – que podem
ser muito destrutivos, levando à morte até.
Funcionou assim para o tesão dos ratinhos,
funciona assim para o vício em drogas dos
seres humanos.
Décadas antes dessa descoberta, Sigmund
Freud já tinha afirmado que temos uma ins-
tância psíquica que só quer saber de ir atrás
de prazer, como se não houvesse amanhã. É o
que ele chamou de id, uma espécie de subper-
sonalidade tarada, agressiva, egoísta e mima-
da, que vive brigando com duas outras ins-
tâncias: o superego e o ego. A primeira é re-

pressora, um avesso do id, enquanto a segun-
da é conciliadora, tenta encaixar as doideiras
do id nas exigências do mundo real.
Curiosamente, a neurociência também des-
cobriu mecanismos cerebrais que freiam nos-
so impulso de só agir por prazer. Em 2012, a
Universidade de Iowa, nos Estados Unidos,
comprovou por ressonância magnética que
temos uma área no cérebro, o córtex pré-fron-
tal dorsolateral, que entra em ação sempre que
precisamos de autocontrole – diante da quar-
ta fatia de pizza, por exemplo.
O paralelo existe, mas os anjinhos e diabinhos
da mente humana são muito diferentes depen-
dendo de o ponto de vista ser freudiano ou da
neurociência. O sistema límbico tem suas au-
torregulações, está longe de ser algo como o
id caótico de Freud, incitador de barbaridades
e comportamentos imprevisíveis. Mas o deno-
minador comum é um fato que tanto a ciência
moderna quanto a psicanálise identificaram:
nossa mente é um território em eterno confli-
to, onde se digladiam a busca do prazer e me-
canismos inibitórios.

A segunda tópica
Você já viu neste dossiê: Freud usou o termo
tópica para falar das divisões do aparelho psí-
quico, e fez isso duas vezes. A primeira, que
surgiu na virada do século 19 para o 20, divide
esse aparelho em consciente, pré-consciente e
inconsciente. Já a segunda tópica apresenta um
novo trio formador da nossa personalidade: id,
ego e superego. Essa divisão começa a ser apre-
sentada em Além do Princípio do Prazer (1920),
mas ganha corpo mesmo três anos depois, no
ensaio O Ego e o Id.

E


imagem: Getty Images

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