Valor Econômico (2020-05-14)

(Antfer) #1

JornalValor--- Página 15 da edição"14/05/2020 1a CAD A" ---- Impressapor rcalheiros às 13/05/2020@18:59:


Quinta-feira, 14 de maiode 2020|Valor| A

E os indicadores sociais?

Épossívelummodelodeglobalizaçãomaisinclusivoesustentável.PorDaniRodrik


“Nadapode


vilipendiar a


Constituição e


obviamente


nenhumcrimese


justifica,mesmo


diante de uma


pandemia”.
DogovernadordeSP, JoãoDoria,
sobreasações deBolsonaro

Jorge Arbache


Alémdo aumento das
desigualdades internas,
poderemosver aumento
das desigualdades
entre países

A

taxa de crescimento
econômico da Améri-
ca Latina é caracteriza-
da por ser altamente
volátil em torno de umamédia
baixae por períodos de fortes
acelerações e colapsos.O proble-
ma é que essas características
não são neutrase têm implica-
ções perversas. Isto porque a
combinaçãode baixapersistên-
cia com alta descontinuidadedo
crescimento está associada à
maioraversão ao risco,que esti-
mulaaespeculação eencorajaas
empresas a investirem em proje-
tos de menor risco, mas de baixo
retorno social.Ademais,pobre-
za, desigualdadee outrosindica-
doressociais são bastantesensí-
veisàquelascaracterísticas.
De fato, evidênciasempíricas
sugerem que os indicadores so-
ciaismelhoramduranteperío-
dos de aceleraçãoepioramdu-
ranteperíodosde desaceleração
do crescimento. Ou seja, eles são
pro-cíclicos.Masaindamaisrele-
vanteéareação assimétricados
indicadoressociaisao cicloeco-
nômico. Indicadores de desi-
gualdadederendatendemapio-

rar bastantemaisduranteperío-
dos de desaceleração do que a
melhorarduranteperíodosde
aceleraçãodo crescimento. Con-
dição qualitativamente seme-
lhante ocorrecom desemprego,
pobreza, miséria, participação
do jovemno mercadode traba-
lho,dentreoutrosindicadores.
Esta nefastarelaçãoassimétri-
ca ajuda aexplicarpor que os in-
dicadores sociais avançaramva-
garosamente nas últimasdéca-
das na região.Sugere,também,
que, da perspectiva do pobre, tão
ou maisimportanteque cresci-
mento elevado écrescimento
sustentado. Simulaçõessugerem
que,tiveraaregiãoevitadoos
maisseverosanos de colapso do
crescimentodas últimas déca-
das, oPIB per capitaseria,hoje,
21% maior;em algunspaíses, se-
riasubstancialmentemaior.
Evidências empíricastambém
apontamquedentreosfatorespor
trás daquelarelação assimétrica
estãoas debilidadesdas redes de
proteção social, a degradação dos
serviçospúblicoseapioradascon-
diçõesdomercadodetrabalhoob-
servadosna região durante perío-
dos de colapso. Comoos grupos
maisvulneráveis são maisdepen-
dentes daquelesserviços edaren-
da do trabalho, então eles são es-
pecialmente afetados nos perío-
dos ruins. A concentração de ati-
vos eolimitado acesso dos mais
pobres ao mercado de crédito, se-
guros e outros instrumentos fi-
nanceirostambém ajudam aex-
plicaraquelaassimetria.Paraalém
de questõeséticas ede direitos, a
preocupaçãocom os indicadores

sociais tambémse justifica por ser
umdospilaresdaprosperidade.
Acrisedacovid-19,comsuasca-
racterísticas únicas, terá, provavel-
mente,efeitosaindamaisadversos
nos indicadores sociais.Ademais
dos impactossem precedentes na
rendados informais edos traba-
lhadorespor conta própria eno
rendimentodas micro e pequenas
empresas, há que se considerar ao
menoscincoagravantes.
O primeiroéque váriospaíses
da regiãojá enfrentavamdete-
rioração econômicae socialain-
da antesda pandemia,com cor-
tes nos gastossociaise aumentos
na informalidade,desigualdade
edesemprego. Osegundosão as
limitações orçamentárias dos
paísespara fazerfrenteaos desa-
fios da pandemiaesuas reper-
cussões sociais.Oterceirosão as
modestas redesde proteçãoso-
cial de muitospaísesda região. O
quarto éque tecnologiasde pro-
dução,gestãoecomercialização
poupadorasde mão de obrade-
verãose popularizarna regiãoa
partirdapandemia.
Oquintoéquehaverámudan-
ça no perfilda “empresarepre-
sentativa”. Isto porqueempresas
menosprodutivasemaisintensi-
vas em trabalhoencolherão ou
quebrarão relativamente mais
em razãoda crise do que empre-
sas maisenxutaseinovadoras.
Há que se esperar, portanto, que
a pioranos indicadoressociais
venhaacompanhadade elevado
eprovavelmente persistentede-
sempregoestrutural.
Muitose avançouna área social
desde meados dos anos 2000, mas

aquelas conquistas estão agora
ameaçadas. Para protegê-las,será
preciso considerar ao menos qua-
troconjuntosdepolíticas.
Primeiro, ampliarredesemer-
genciaisde proteçãosocial,for-
talecer programas de empregoe
desempregoe expandirprogra-
mas de empreendedorismo, ca-
pacitaçãotecnológicaeeduca-
çãoprofissional.Deve-se,inclusi-
ve, considerara criaçãode pro-
gramaderendabásicauniversal.

Segundo,deve-seapoiarasmi-
cro e pequenasempresas viáveis
comlinhasde créditoeoutros
instrumentosfinanceiros e não
financeirosquecontribuampara
que elas mantenhamseusfun-
cionáriosduranteaquarentenae
sigamem condiçõesde retomar
aatividadelogoquepossível.
Terceiro, implementarpolíti-
cas que reduzam aelevadaexpo-
siçãodos gruposmaisvulnerá-
veis aos períodos de colapso
combinadascompolíticasque
aumentem asua participação
nos benefíciosgeradosdurante
períodos de crescimento.Investi-
mentos na melhoriada qualida-
de eacessoaserviçospúblicos
comosaúde,educação, moradia
e transportepúblicosão mani-
festaçõesdaquelaspolíticas.
Quarto, avançarcom políticas

A

economiamundialse-
rá remodelada nos
próximos anos por
três tendências.A rela-
ção entremercadoseEstadovai
serreequilibrada,emfavordoúl-
timo. Isso virá acompanhadode
umreequilíbrioentreahiperglo-
balizaçãoe aautonomianacio-
nal, tambémem favor da última.
E precisaremos encolhernossas
ambiçõesdecrescimento.
Não há nada comouma pande-
miaparacolocaremevidênciatan-
to as imperfeiçõesdos mercados
diante de problemas de atitudes
coletivas quanto aimportância da
capacidade do Estado de reagir a
crises e protegera população. A
crisedacovid-19 ampliou as filei-
ras dosque defendemuma cober-
tura de saúde universal, maispro-
teçãoao mercado de trabalho(in-
clusive para os trabalhadores
“gig”, temporários) e a importân-
cia das cadeias de produção locais
paraequipamentos médicos cru-
ciais. Isso tem levado os países a
priorizar a resiliênciaeagarantia
de fornecimento em detrimento
da eficiênciaedaseconomiasde
custo permitidaspela terceiriza-
ção global. E os custos econômicos
das medidas de confinamento au-
mentarão com o tempo, já que o
choque maciço de oferta causado
pela desestabilização da produção
doméstica e das cadeias de valor
globais também vão pressionar
parabaixoademandaagregada.
Embora a covid-19 reforce e
enraíze essastendências, ela não
é a força primária por trás delas.
Todas as três —ações governa-
mentais maisfortes,recuo no hi-
perglobalismo e taxas de cresci-
mento menores —precedem a
pandemia. E, embora possam ser
vistas como riscos significativos
para a prosperidade humana,
tambémépossívelquesejampre-
cursoras de uma economiamun-
dialmaissustentáveleinclusiva.
Vejamosopapel do Estado. O
consenso neoliberal no funda-
mentalismo de mercadoestá en-
fraquecendo-se já há algumtem-
po.Criar um papelmaiorpara que
o governo possa lidarcom a desi-
gualdadee ainsegurança econô-
micaagora se tornou prioridade
central tanto para economistas
quantoparaospolíticos.Emboraa
ala progressista do Partido Demo-
crata nos Estados Unidosnão te-
nha chegadoa conquistar aindi-

econômicas que promovamo
crescimentosustentado, oque
deveriaincluir minimizar aex-
posiçãoda economiaa colapsos,
comdiversificaçãoprodutivae
agregaçãode valor;valorizarpo-
líticasfiscale monetáriacríveis;
atacargrandesconstrangimen-
tos ao crescimento, comoa baixa
produtividadee os gargalosda
infraestrutura; e fomentar novas
tecnologias,inovaçõesesoluções
que aumentema resiliência,a
competitividade internacional
da economiae asua capacidade
degerarnovosempregos.
O atual colapso econômico
põe em risco não apenas as con-
quistas sociais,mas, também,os
esforçoslevadosacaboparare-
duziras enormesbrechas que se-
param os indicadores sociais dos
paísesdanossaregiãocomosdos
paísesricos.Ouseja,paraalémdo
possívelaumento das desigual-
dades internas, poderemosteste-
munhar aumentodasdesigual-
dadesentrepaíses,oqueseriaum
outrograndedesastre.
Anoite será longae,por isto,
requer esforços decisivosecoor-
denados que combinemamiti-
gação dos riscos de deterioração
dosindicadoressociaiscomaoti-
mização e apotencialização de
políticas que acelerem arecupe-
ração econômica, fortaleçamas
empresaseosmercadosepromo-
vamocrescimentosustentado.

JorgeArbacheé vice-presidente de
Setor Privado do Bancode
Desenvolvimento da AméricaLatina–
CAF e escreve mensalmente às quintas
feiras neste espaço.

cação presidencial da legenda,
conseguiu ditar, em grande medi-
da,ostermosdodebate.
JoeBiden pode serdecentro,
masemtodasasfrentespolíticas—
saúde, educação, energia, ambien-
te, comércioexterior, crime—suas
ideias estão à esquerda da candi-
datapresidencial anterior do par-
tido, Hillary Clinton.Nas palavras
de um jornalista: “O atualconjun-
todereceitaspolíticasdeBiden[...]
teria sido consideradoradical se
proposto por qualquer outropre-
sidenciável em primárias demo-
cratas”.Bidenpodenãoganharem
novembro. E, mesmose ganhar,
pode não ter condições de colocar
em prática sua agenda maispro-
gressista. Ainda assim, está claro
que orumo tantonos EUAquanto
na Europa se direciona auma
maiorintervençãodoEstado.
A única dúvida éque forma es-
se Estadomais ativo assumirá.
Não podemos descartarapossi-
bilidadedeumavoltaaovelhoes-
tilo de dirigismo,de pesado con-
trole central pelo Estado, queal-
cança poucodos objetivosalme-
jados. Por outrolado, afastar-se
do fundamentalismode merca-
do poderia trazer uma forma ge-
nuinamente inclusiva, empenha-
da na economia verde, em bons
empregos e na reconstruçãoda
classe média. Tal reorientação
precisaria ser adaptada às condi-

çõestecnológicas eeconômicas
do atual momento, e não sim-
plesmentemimetizarosinstintos
das políticas econômicasdas três
décadasdouradasposterioresà
SegundaGuerraMundial.
Oregressodo Estadocaminha
de mãosdadascom a retomada
daprimaziadasnações-Estado.A
conversaque se ouvepor todos
os ladosgira em tornoadesglo-
balizar,descasar, trazerde volta
paracasa as cadeiasprodutivas,
depender menosde fornecedo-
res externose favoreceras finan-
çaseaproduçãodoméstica.
EUA e China sãoos países que
dãootomnessasquestões.Mesmo
aEuropa, perpetuamenteàbeira
deumamaioruniãofiscal,propor-
cionapoucocontrapeso.Durante
esta crise, a União Europeia mais
uma vez se afastou da solidarieda-
de transnacionale,em vezdisso,
enfatizouasoberanianacional.
Orecuoem relaçãoàhiperglo-
balizaçãopoderialevaromundo
rumoa um caminhode escalada
nas guerrascomerciais ede au-
mento do nacionalismoétnico, o
que poderiaprejudicaras pers-
pectivaseconômicas de todos.
Esse cenário, porém,não é o úni-
coconcebível.
Épossívelvislumbrarum mo-
delo de globalizaçãoeconômica
menosintrusivo, maissensato,
que tenhafoco em áreasnas

quaisa cooperaçãointernacio-
nal realmentevalhaa pena,co-
mo asaúdepúblicaglobal,acor-
dos ambientais internacionais,
paraísosfiscais globaiseoutras
áreassuscetíveisa cair em políti-
cas do tipo “empobreçao vizi-
nho”. Nas outrasfrentes, as na-
ções-Estadoficariamdesimpedi-
das na formacomopriorizam
problemaseconômicosesociais.
Essa ordemmundialnão seria
hostilàexpansãodo comércioe
dos investimentosmundiais.Po-
deriaaté facilitá-losdesdeque
abra espaçopara restaurar trata-
dos sociaisdomésticose elabo-
rar estratégias apropriadas de
crescimentono mundoem de-
senvolvimento.
Talvezoaspectomaisnocivoque
o mundo poderáenfrentar no mé-
dio prazoé a forte redução no cres-
cimentoeconômico, especialmen-
te no mundoem desenvolvimento.
Esses países tiveramcercade um
quartodeséculodereduçãodapo-
breza e de melhoras na educação,
saúde e outrosindicadoresde de-
senvolvimento.Alémdosgigantes-
coscustosdapandemiaparaasaú-
de pública, eles agorase deparam
com grandeschoquesexternos:a
interrupçãorepentina dos fluxos
de capitaise oforte declínionas re-
messas de dinheiro,no turismo e
narendacomexportações.
Países em desenvolvimento
agora terão que se basearem no-
vos modelosde expansão.Apan-
demia podeservir de alertapara
que redimensionemas perspecti-
vas de crescimento eestimulema
amplareconsideraçãonecessária.
Na medidaem que a economia
mundial já seguia um rumo frágil
e insustentável, acovid-19 torna
maisclaros os problemasà nossa
frente eas decisõesque precisa-
mos tomar. Em cadaumadessas
áreas, as autoridades têm opções.
Os resultados quepoderemosver
maisàfrente podemser pioresou
melhores. O destino da economia
do mundo não dependedo queo
vírusfizer, mas de comooptarmos
por agir em resposta a isso.(Tradu-
çãode SabinoAhumada).

DaniRodrik,é professorde economia
políticainternacionalna Faculdadede
Governo JohnF. Kennedy, de Haard. É
autor de “StraightTalk on Trade:Ideas
for a SaneWorld Economy”. Copyright:
ProjectSyndicate, 2020.
http://www.project-syndicate.org

Cartasde


Leitores


Um mundo pós-pandêmico melhor

Frase do dia


Teste de Bolsonaro
SeBolsonarovinculaseuexame
dacovid-19aoimpeachment,
conformeoquejásetemdivul-
gadodessaexplosivareunião
ministerial,elenemprecisaria
maismostraroresultado.Para
quemsabejuntar“lécomcré”o
resultadojáestá,porsi,revelado.
Éespantosoumpresidentene-
garaseupovoumdadoqueem
nadaodesabonaria,salvonãoti-
vesseagidocomadisplicênciae
airresponsabilidadecomotem
agidoemrelaçãoatãoperigoso
vírus!Agrandezaouapequenez
deumhomempúblico—oude
qualquerserhumano—sepode
medirpelosdetalhes,queaos
olhosdequemtemolhosdever,
nuncapassamdesapercebidos.
ElianaFrançaLeme
[email protected]

Pacote do Senado
OqueseventiladoSenado— “que
estádesacocheiocomosbancos”
—casoaspercentagenssejamas
citadosnaediçãodeontem(pági-
naA8)ésimplesmenteumconfis-
co.ÉsóSuasExcelênciasfazerem
ascontas,quandonãoestiverem
maisde“sacocheio”.
AlexandruSolomon
[email protected]

Pandemia
Lucrosdecrescentesnasgrandes
corporações;desempregoglobal
emalta;economiamundialem
recessão,commovimentosco-
merciaisentrepaísespróximosà
estagnação;aniquilaçãorecorde
demédiasepequenasempresas,
outroraconsideradasglóbulos
daseivavitaldenegócios.
Estessãoalgunsdosefeitosque
seapresentamcomodecorrentes
dapandemiadecoronavírusque
aindasedesenvolvemundoafora,
semqueaverdadeiraciênciasaiba
atéagoracomofrearseuavanço,
aconselhando,porisso,aosres-
pectivosgovernos,oúnicorecurso
queseapresentaparapouparvi-
das:umdefensivoisolamentoso-
cial,àsvezescomrecomendação
delockdown—palavraatualmen-
tenamoda.Enquantotodoeste
cenáriosedesenrola,omundo
prendearespiraçãoàesperade
umavacinaoudacomprovaçãode
eficiênciadealgummedicamento
milagrosamentereveladoqueper-
mitaqueorealcombateàexpan-
sãodadoençasemostreefetivo.
QueDeusinspireosquelabutam
nareclusãodoslaboratórios.
PauloRoberto Gotaç
[email protected]

Apatia
ApósaeleiçãodeBolsonaro,as
ideiasnãocirculamequalquer
críticaoumerasugestãoémoti-
voparaperseguições,infâmiase
atéameaçasrealizadaspor
apoiadoresvirtuaisoufanáticos.
Sinceramentenãoentendoa
apatiaeasubserviênciadospo-
deresconstituídosedasocieda-
dequeaceitamosdesmandose
agoraoriscoàsaúdepública
mundialqueBolsonarorepre-
sentaignorandoapandemia.
Qualquerdesavisadoconclui
queBolsonaroefamíliaman-
damnoBrasileestãoacimado
bem,domaledetodasasleis.
DanielMarques

Nãose sabea formaque
um Estado maisativo
assumirá.Nãose pode
descartara volta ao
velho estilo dirigista, de
pesadocontrole
central. Masafastar-se
do fundamentalismo
de mercadopoderia
trazerumaforma
inclusiva, empenhada
na economiaverde

Opinião


Correspondênciaspara
Av. 9 de Julho,5229 - Jardim
Paulista- CEP01407-907 - São
Paulo - SP, ou para
[email protected],comnome,
endereço e telefone. Os textos
poderãoser editados.

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