Piauí - Edição 152 [2019-05]

(Antfer) #1

T


Há profissionais que evitam usar termos técnicos com as pacientes, dão
explicações vagas e se sentem insultados diante de perguntas. Numa
cartilha de 2014 sobre violência obstétrica elaborada pela rede Parto do
Princípio e pelo Fórum de Mulheres do Espírito Santo há um relato de
uma gestante que pediu explicações de um procedimento e recebeu a
seguinte resposta: “Mãezinha, o que adianta eu explicar? Por acaso você


vai entender?”[16]


Existe também uma tentativa moralizante de punir a mulher pelo
exercício de sua sexualidade. Ela deve sentir dor e obedecer às ordens
superiores sem questionar porque ousou exercer seu livre-arbítrio. O
“ponto do marido” é uma pista de quem importa nessa equação: “O
médico disse que tinha que cortar [episiotomia] porque se ele não
cortasse, eu ia ficar com a vagina larga e meu marido ia me trocar por
uma outra na rua”, contou uma parturiente de Vitória.


No modelo tecnocrático de assistência ao parto, somos muitas vezes
desrespeitadas, menosprezadas e ignoradas. Um bom resumo de como
nos sentimos é fornecido por uma puérpera de Vila Velha (ES): “A gente
fica lá, sozinha, com dor, não dão água, não dão comida, fica lá largada,
sem celular, sem óculos, sem nada, só ouvindo desaforo.”


ive apenas uma laceração leve (de primeiro grau) no períneo, que
sarou muito rápido. A obstetra deu dois pontos no local para conter
o sangramento, mas nada de episiotomia. Um dia depois eu já não
precisava mais tomar nenhum remédio para dor.


Ainda assim, nas 48 horas que se seguiram, algumas enfermeiras
entravam no quarto e pediam para olhar “a cicatriz”. Quando eu
informava que o parto havia sido normal, elas consultavam a minha ficha
e pediam desculpas. “Parto normal é outra coisa”, disse uma delas,
referindo-se à pronta recuperação nesse caso. Se é mesmo “outra coisa”,
então por que se faz tanta cesárea?


No Hospital e Maternidade Santa Joana, o documento que a gestante
recebe com as orientações de alta faz uma menção especial (em letras

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