Piauí - Edição 152 [2019-05]

(Antfer) #1

N


À medida que o processo atravessa o que deveriam ser seus momentos
finais (ou foi isso, pelo menos, o que nos disseram), o país parece
assolado por metáforas que, se tivessem sido produzidas por algum
escritor e não por fatos reais, seriam criticadas por seu caráter óbvio e
excessivo: no início de abril, a Câmara dos Comuns foi obrigada a
encerrar sua sessão diária depois que um cano rompeu e começou a vazar
na tribuna de imprensa; poucos dias depois, um caminhão carregado com
17,4 toneladas de peças de toucinho (a carne de porco curada que tem,
entre seus nomes locais, o de gammon, que – por vários motivos
singulares demais para serem explicados a um não britânico – acabou por
tornar-se sinônimo de “cidadão de meia-idade furiosamente partidário
do Brexit”) explodiu em chamas perto da cidade de Plymouth, no
sudoeste da Inglaterra.


“Quem consegue entender o Brexit?”, perguntou Danny Dyer, um ator
muito popular na Grã-Bretanha, num programa político da tevê em
meados do ano passado. “Ninguém tem a mais vaga ideia de como vai se
dar essa porra de Brexit... é tudo uma comédia. Ninguém sabe do que se
trata. Parece uma charada, uma piada de mau gosto.” Pronunciadas com
o forte sotaque popular londrino de Dyer, essas palavras davam a
impressão de brotar do inconsciente de toda a nação – embora não com
força suficiente, ao que tudo indica, para que nossa classe jornalística, ou
nossos políticos, se dessem ao trabalho de tomar alguma providência.


6 de dezembro de 2016
Seis meses depois do referendo sobre o Brexit


uma entrevista à BBC a bordo de um navio de transporte de
helicópteros na costa do Bahrein, Theresa May tentou definir a
estratégia ainda nebulosa de seu governo para o Brexit. Meses
antes, ao se tornar primeira-ministra logo após a vitória da opção pela
saída da União Europeia, ela havia sido saudada – apesar de sua atuação
funestamente reacionária como ministra do Interior – como uma
liderança firme e confiável. No navio, May disse que não promoveria um
Brexit “duro ou suave”, um Brexit “cinza ou branco”, mas um Brexit
“vermelho, branco e azul”, as cores da bandeira do Reino Unido. Mas se

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