Piauí - Edição 152 [2019-05]

(Antfer) #1

P


ode ser que Theresa May tenha acabado de convocar uma votação
parlamentar sobre sua proposta de acordo para o Brexit. Pode ser
que tenha sobrevivido a um voto de confiança para permanecer na
liderança do Partido Conservador – ou talvez o voto de confiança tenha
sido, dessa vez, no seu governo. Seja como for, em algum momento dessa
noite – às oito, ou às dez da noite – Theresa May irá fazer um
pronunciamento à nação. As câmeras se aglomeram ao redor de
Downing Street. Todos os canais de notícias mantêm repórteres a postos
em frente à porta fechada da primeira-ministra. O que ela irá dizer?
Circulam tuítes eletrizantes – por exemplo: “Cancelem seus planos para o
jantar.” O tempo passa. Ela se atrasa. Finalmente emerge da residência,
às 22h45. “Em junho de 2016”, diz, “o povo britânico votou a favor do
Brexit. E minha intenção é cumprir essa vontade. Nada mudou.”


Como sempre, ela reafirma a mesma coisa: a vontade do povo britânico.
Que pretende honrar. Nada mudou (expressão que se converteu em seu
bordão constante: antes, era “Brexit quer dizer Brexit”. Hoje, é “Nada
mudou”). Nenhum reconhecimento de que alguma coisa pode ter
acontecido (o que quer que esteja acontecendo). Não importa se foi
derrotada no Parlamento, ou se deixará de liderar o Partido Conservador,
ou se a maioria esmagadora da Câmara dos Comuns irá decidir enfiá-la
num canhão imenso e dispará-la em direção à Lua – ela vai levar o Brexit
adiante, que ninguém se iluda ou se preocupe com isso. Depois de mais
ou menos cinco minutos de platitudes dessa ordem, May para de falar. E
dá meia-volta, como um robô: primeiro se desloca noventa graus, faz
uma pausa, depois percorre os noventa restantes. E volta, arrastando os
pés, para dentro da residência de Downing Street. As imagens são
prontamente transformadas em gifs. E pronto. No dia seguinte, as
manchetes serão: “May se mantém desafiante blablablá.” É como se
houvesse uma conspiração para que todos se recusassem a tomar
conhecimento da incompetência da primeira-ministra.


No momento em que escrevo, o cenário mais provável que me ocorre é
que May irá continuar a pedir adiamentos curtos à UE para cumprir o
artigo 50, mesmo depois de 31 de outubro de 2019, e que a União
Europeia continuará a concedê-los, visto que qualquer alternativa será

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