Piauí - Edição 152 [2019-05]

(Antfer) #1

sim, um fim peremptório e definitivo para os muitos ressentimentos
acumulados tanto de um lado quanto do outro; um fim que a própria
saída da União Europeia jamais poderá propiciar. O Brexit tornou-se
impossível – porque nos acostumamos a esperar o impossível dessa
retirada britânica da ue.


Seja qual for o resultado concreto do Brexit, tudo que acontece de ruim
em nosso país será atribuído, de algum modo e por alguém, a esse
processo. Mesmo que o país saia da UE (se houver uma retirada), os
partidários do Brexit irão correr os olhos por esta maltratada ilha e
concluir que o motivo de tudo estar na merda em que está decorre do
fato de não termos conseguido promover o Brexit “correto”. Os
partidários da permanência na ue, por sua vez, irão acompanhar cada um
dos desdobramentos e concluir que todos eles se devem, unicamente, a
termos deixado de ser membros da União Europeia, e não, quem sabe, ao
fato de o país estar vivendo há tanto tempo sob péssimos governos.


Além disso: o único motivo para a convocação de um referendo, para
começo de conversa, foi o incômodo constante da facção dominante do
Partido Conservador com seus correligionários mais à direita, que
vinham mantendo uma postura antieuropeia mais agressiva desde a
entrada do Reino Unido na ue, no início dos anos 90. Pouco depois das
eleições gerais de 2015, alguns membros conservadores do Parlamento
bandearam-se para o Ukip (United Kingdom Independence Party, o
Partido da Independência do Reino Unido), cujos seguidores só fizeram
multiplicar-se ao longo dos anos do governo de coalizão (2010-15,
período em que David Cameron governou com o apoio dos liberais-
democratas de centro). Em 2014, Cameron havia “resolvido” o problema
da independência da Escócia permitindo que o SNP (Scottish National
Party, Partido Nacional Escocês) promovesse um referendo local, vencido
facilmente pelos eleitores favoráveis à união. “Por que não resolver
aquele problema de várias décadas no Partido Conservador convocando
um referendo acerca do Brexit?”, pensou o primeiro-ministro. “O que
poderia dar errado?”


E é essa, mais que qualquer outra, a explicação das reações altamente
incoerentes da esquerda e do centro à vitória do Brexit. Como é que se
pode esperar que os trabalhistas assumam uma posição coerente quanto

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