Piauí - Edição 152 [2019-05]

(Antfer) #1

migratórias vindas de um hemisfério Sul cada vez mais inabitável em
todo o planeta. Essa resposta direitista à mudança do clima – equivalente,
na prática, a um genocídio – precisa ser combatida sem tréguas. O
Partido Trabalhista foi de uma ingenuidade profunda ao não dar a
devida atenção ao problema da liberdade de deslocamento.


Outra certeza quanto ao Brexit é a de que ele tem prejudicado o próprio
tecido da democracia no Reino Unido. Ali pelo final de março, Donald
Trump Jr. (logo quem!) afirmou, num texto para o jornal britânico
Telegraph, que o impasse diante do Brexit demonstrava que a
democracia no Reino Unido estava “muito longe da morte”. Acusava
também Theresa May de ter “ignorado os conselhos” de seu pai, Trump –
mas eram muitos os pontos em que as ideias do filho do presidente
americano ecoavam a retórica da primeira-ministra. Em vários momentos
do processo do Brexit, May insistiu que seus termos para o acordo
precisavam ser aprovados, pois qualquer outra hipótese poderia
“representar uma quebra catastrófica e imperdoável da confiança em
nossa democracia”.


Mas a verdade é que Theresa May está longe de ser, ela própria, uma
grande amiga da democracia. O resultado de 2016 pode ter representado
a “vontade do povo” – mas sua validade vem sendo amplamente
questionada desde que se constatou que a campanha pela saída da UE
havia infringido regras da Comissão Eleitoral Britânica. Ainda que o
resultado do referendo não deva ser questionado (pois as supostas
fraudes não foram do tipo ou do nível que pudesse produzir uma
diferença importante no resultado final), cabe perguntar: por que se deve
respeitar justamente essa votação específica acima de todas, e não
qualquer outra expressão futura – ou prévia, no caso – da “vontade
popular”? E a eleição geral de 2017, em que na prática o partido de
Theresa May foi derrotado? Ou o referendo de 1997 ratificando o Acordo
de Belfast, cujo cumprimento fica ameaçado dependendo do modo como
o Brexit de fato venha a acontecer?


Theresa May também dá mostras de desrespeito sistemático pelas
instituições democráticas, especialmente o Parlamento. Foi necessária
uma medida judicial para obrigá-la a submeter os termos da retirada que
propunha ao sufrágio da Câmara dos Comuns, e ela deu sinais de pouca

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