Piauí - Edição 152 [2019-05]

(Antfer) #1

ou nenhuma disposição para negociar com o Parlamento qualquer dos
pontos principais do Brexit. Num discurso feito logo depois de concordar
em postergar a saída da UE para depois de 29 de março último, a
primeira-ministra acusou o Parlamento de perder-se em “disputas
internas e jogadas políticas”, tentando afirmar-se, ao que tudo indica,
como a única verdadeira protetora da vontade de um povo “exaurido”,
que só deseja ver o Brexit “concluído de uma vez por todas”.


Poucos dias depois, a opinião anônima de um membro de seu ministério
podia ser lida nos jornais: “Ninguém faz a mais puta ideia” do que estaria
acontecendo com o Brexit, declarou o ministro. “E eu nem estou mais
ligando. Viramos um bando de mortos-vivos.” Disse ainda: “O que nos
trouxe até esse ponto foi a incapacidade, demonstrada pela primeira-
ministra, de manter as interações humanas mais elementares.” E
prosseguiu: “O gabinete está totalmente emperrado. Cada ministro diz o
que pensa, mas ela não cede em nada. Um lado acha que o que deve
acontecer é X, um outro defende Y, e a primeira-ministra decide que vai
ser Z.”


As atitudes antidemocráticas, porém, ocorrem em todos os lados. O
centro, como já mencionei, insiste num segundo referendo – o que até
pode soar democrático à primeira vista. Mas alguns dos principais
defensores dessa ideia formam o pequeno grupo de deputados hoje
conhecido como “Change UK” (“Muda, Reino Unido”), produzido por
uma cisão trabalhista ocorrida em fevereiro quanto à questão do Brexit.
Apesar de, na prática, terem obrigado seus eleitores a aceitar sua
conversão em representantes de um partido diferente daquele em que
votaram, os partidários do Change UK recusam-se a admitir a realização


de eleições complementares.[2] Isso indica que, na verdade, não são
movidos pelo respeito à “vontade popular”: a exemplo da própria
Theresa May, só se interessam em recorrer à vontade popular quando
julgam que o eleitorado irá escolher o resultado que consideram “certo”.
E será possível que a ideia de permanecer na UE seja vista como uma
postura democrática, a essa altura dos acontecimentos? A própria ue,
afinal, está longe de ser o melhor exemplo de uma democracia aberta e
plenamente funcional – bons tecnocratas até o fim, todas as autoridades
da UE demonstram geralmente uma clara tendência a encarar o
sentimento popular como uma espécie de obstáculo a ser contornado.

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