Piauí - Edição 152 [2019-05]

(Antfer) #1

Mas, afinal, o que ocorrerá no Reino Unido? O Brexit pôs totalmente a nu
o egoísmo e a incompetência da classe governante britânica: gente que
não tem nenhum interesse genuíno pelo bem-estar dos seus cidadãos –
apesar de todas as platitudes que cada um deles emite, marcadas por um
nacionalismo contrito e o mais absoluto populismo. Mas também tornou
fútil qualquer possibilidade de resistência ao establishment político. O
resultado do Brexit, a favor da retirada da ue, foi de muitas maneiras um
gesto de resistência em massa: mas também foi, paradoxalmente,
produzido pelo poder do Estado (respondendo a um conflito cruento, no
fim das contas, interno apenas ao Partido Conservador).


O processo do Brexit expôs o quanto é precário o funcionamento do
Estado; mas também foi usado, e continuará a sê-lo no futuro, como
trincheira para os interesses dos ocupantes do poder. O processo de
retirada (ou de tentar sair) da UE deixou muito claro que a Grã-Bretanha
necessita de uma reforma constitucional drástica e abrangente. No
entanto, tendo em vista nossa experiência com o Brexit, quem
consideraria o Parlamento capaz de pôr em prática as reformas
necessárias? E, mesmo que fosse capaz, quem, em seu perfeito juízo, pode
apostar que essas reformas se dariam no sentido certo?


Num ensaio publicado em 2013, “Sinking giggling into the sea”
[Afundando aos risinhos no mar], o escritor Jonathan Coe afirmou que a
visão predominante da política entre a população britânica tinha, nos
últimos anos, passado a ser de um cinismo que não para de rir
dissimuladamente, em que todo político é visto como um palhaço
corrupto, incompetente e dedicado apenas a seus interesses pessoais.
Entretanto, em vez de fomentar uma atitude crítica entre os eleitores, esse
cinismo limita-se a reforçar a ordem atual das coisas: a “política” em si é
vista como algo estúpido e nefasto demais para sequer ser levado em
consideração, um mar infinitamente pardacento que não admite
possibilidade alguma de mudança.


“Hoje em dia”, afirma Coe, “todo político é motivo de galhofa, e o riso
que poderia ocasionalmente iluminar os cantos escuros do mundo
político com raios inesperados e surpreendentes de hilaridade
transformou-se num reflexo automático da nossa parte, uma reação
pavloviana de exaustão ante situações difíceis ou deprimentes demais

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