Piauí - Edição 152 [2019-05]

(Antfer) #1

especialidade, tudo perde lugar para a opinião. No reino da opinião não
existe mais espaço para a autoridade. No perfil do papa no Twitter,
internautas brasileiros se sentem no direito de contradizer as análises
teológicas dele. As redes sociais tornam o dono de botequim um
especialista em exegese bíblica do mesmo quilate que o chefe da Igreja
Católica.


Ao tornar equivalente a opinião de todas as pessoas, a rede social
demonstra sua extraordinária vocação anti-establishment. Os marcadores
de certeza, os filtros de qualidade, as certificações construídas ao longo
de séculos pela civilização são dissolvidos pelo algoritmo equalizador.
Diplomas universitários, pesquisas científicas, títulos honoríficos são
substituídos por opiniões, likes e seguidores. Abrese, portanto, uma
extraordinária brecha para a ascensão social de pessoas descartadas pelos
filtros analógicos. Esse potencial gerado pela dinâmica das redes vai de
par com o que Marcos Nobre escreveu sobre a base do candidato do PSL:
“Uma revolta de quem frequenta a igreja contra seus pastores, de
militares de patentes mais baixas contra as altas patentes, do baixo clero
contra o alto clero do Congresso Nacional, de pequenos comerciantes,
produtores rurais e industriais contra suas entidades representativas e
contra os ‘campeões nacionais’, da base de primeira instância do
Judiciário contra suas instâncias superiores, do baixo clero do mercado
financeiro contra os porta-vozes dos bancões.”


Aqui, não se trata dos excluídos do sistema, dos pobres, mas dos
incluídos que perderam: os perdedores da meritocracia. Não daqueles
que, por causa do racismo e do classismo estruturais do Brasil, não
puderam sequer sonhar em competir. Mas daqueles que, em um país
desigual, tinham o privilégio de poder competir, e ainda assim perderam.
É a essa franja da população que a nova extrema direita se dirige. O
americano Steve Bannon, estrategista dessa corrente ideológica, resume
bem esse sentimento quando define o capitalismo global como um
regime socialista para ricos e pobres. Segundo ele, os mais ricos e os mais
pobres, além de não pagarem imposto (o que é uma falácia, pelo menos
no que diz respeito aos mais pobres), são subsidiados pelo Estado, seja
por meio de políticas redistributivas (no caso dos pobres), seja via auxílio
direto em caso de falência (no dos ricos), segundo a máxima do too big to
fail [grande demais para quebrar]. Enquanto isso, a franja média,

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