Piauí - Edição 152 [2019-05]

(Antfer) #1

A


Uma ideologia baseada na violência e na opressão reverbera no contexto
da hiperconectividade. A arquitetura das redes, como vimos, estimula as
pessoas a se expressarem sobre absolutamente tudo, e o conteúdo
difundido aparecerá prioritariamente para aqueles que tendem a
concordar com elas. É dessa maneira que a rede social se torna uma
acumulação de câmaras de eco, de filter bubbles, para usar a expressão
do ativista político da internet Eli Pariser. Cada um tem um perfil e nele
pode se expressar livremente como se escrevesse para uma coluna de
jornal. Mas uma coluna cujos leitores praticamente só concordam e
aplaudem. Quanto mais agressivo o comentário, mais interações ele gera,
potencializando o seu alcance. Essa ideologia da violência pura, da
violência como fim e não como meio, está vinculada à
hiperindividualização das redes sociais, onde as pessoas colecionam
“joinhas” e acreditam sempre ter razão. Se há um problema no mundo, a
culpa é do outro, sempre dele, nunca é minha. No ensaio “Anotações
sobre uma pichação” (piauí_139, abril 2018), João Moreira Salles
examinou uma característica atual do brasileiro, que é se eximir de
qualquer responsabilidade – característica que ganhou expressão sintética
em um grafite pintado nos muros da cidade do Rio que dizia: “Não fui
eu.” Bruno Carvalho, no artigo “Não foi você” (piauí_142, julho 2018),
conectou a lógica do “não fui eu” à ascensão de Bolsonaro.


sociedade hiperconectada é parte fundamental do perfil Bolsonaro:
é daí que provêm argumentos, ideias, informações, apoios e alianças
dele. Por essa razão, Bolsonaro estará sempre condenado a priorizar
o perfil, em detrimento da função de presidente. E é nessa brecha – que o
capitão reformado não consegue tapar – que emerge gradualmente uma
oposição latente mas vigorosa ao seu governo.


Em outras partes do mundo, a ideologia da violência da
hiperconectividade vem funcionando de maneira mais sofisticada e
inteligente, visando articular as diferentes correntes de direita. O
professor René Rémond, um dos maiores estudiosos da direita francesa,
identificou três famílias dentro desse campo político: a direita legitimista
e contrarrevolucionária (na origem, inimiga da Revolução Francesa e
defensora da restauração da monarquia; portanto, de perfil conservador),

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