Piauí - Edição 152 [2019-05]

(Antfer) #1

A


sem as 100 mil liras da diária de um hotel. A melancolia das coisas nos
fazia sentir falta do tempo passado. Pierre Bourdieu, intelectual e crítico
que as pessoas mal conheciam, tinha morrido, sequer sabíamos que
estava doente. Ele não tinha nos dado tempo para prever sua ausência.
Uma tristeza estranha se espalhou silenciosamente entre os que tinham
lido Bourdieu e se sentido libertados por ele. Tivemos medo de que a fala
dele se apagasse em nós da mesma maneira que a de Sartre, já tão
distante agora. Tivemos medo de que a opinião reinasse sobre a razão.


eleição presidencial de maio de 2002 foi a mais desanimadora de
todas. Uma repetição de 1995, com os mesmos Chirac e Jospin (este,
agora, assumia um estilo à Tony Blair e causava repulsa ao usar a
palavra “socialista”, mas provavelmente seria eleito). Era surpreendente


lembrar a tensão e a dureza dos primeiros meses de 1981.[6] Na memória,
pelo menos, naquela época estávamos indo para algum lugar. Até mesmo
a eleição de 1995 parecia melhor do que esta agora. Não dava para saber
se era a imprensa que nos usava com suas pesquisas, “em quem você
confia mais?”, e seus comentários arrogantes, ou se os políticos, com
promessas de reduzir o desemprego e conter a sangria da previdência
social, ou ainda se o problema eram os mendigos romenos, a escada
rolante sempre estragada da estação de trem ou a fila nos caixas do
Carrefour e dos correios – todas essas coisas mostravam que colocar
nosso voto na urna era um gesto tão sem importância quanto preencher
um cupom para participar de um sorteio no shopping. Até os Guignols,


do Canal +,[7] tinham deixado de ser engraçados. Já que ninguém nos
representava, pelo menos que tivéssemos algum prazer, afinal votar era
um ato íntimo e afetivo. Esperamos um último impulso para decidir:


Arlette Laguiller, Christiane Taubira[8] ou o Partido Verde? Era preciso
estar habituado a votar e ter um forte senso de “dever eleitoral” para se


mobilizar em um domingo de abril, em pleno recesso de primavera.[9]


Com exceção da temperatura agradável e do sol que fazia naquele
domingo de abril, estranhamente não lembraríamos nada do que fizemos
naquele dia nem das horas que antecederam o anúncio da apuração,
somente uma sensação de espera distraída. Até que aconteceu. O homem

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