Piauí - Edição 152 [2019-05]

(Antfer) #1

O


Posteriormente, na memória, só restaria da eleição para presidente o dia e
o mês do primeiro turno, 21 de abril, como se a eleição forçada do
segundo turno com 80% de comparecimento às urnas não contasse. Será
que votar ainda valia a pena?


A direita voltava a ocupar todos os espaços. E, outra vez, os mesmos
discursos de adaptação ao mercado e à globalização, as mesmas
exigências para se trabalhar cada vez mais brotavam da boca do
primeiro-ministro, [Jean-Pierre] Raffarin. Seu nome, sua postura
derrotada e sua afabilidade cansada evocavam a figura de um burocrata
dos anos 50, andando com o passo tão pesado que rachava o piso de seu
gabinete. Já quase não causava indignação ouvi-lo dizer, como no século
XIX, “a França de cima” e a “França de baixo”. Deixávamos tudo aquilo
de lado. Até mesmo a seleção francesa acabou sendo eliminada da Copa
do Mundo na Coreia do Sul. Nós nos recolhíamos do mundo.


O sol de agosto queimava. Com as pálpebras fechadas, deitados na areia,
éramos as mesmas mulheres e os mesmos homens de antes. Tomávamos
banho de mar, o mesmo da infância nas praias de seixos da Normandia,
das férias antigas na Costa Brava. Mais uma vez ressuscitávamos do
passado cobertos com uma mortalha feita de luz.


Ao abrir os olhos, víamos uma mulher entrar no mar vestida com um
casaco e uma saia longa, um véu muçulmano cobrindo os cabelos, de
mãos dadas com um homem sem camisa, de short. Era uma visão bíblica,
cuja beleza nos deixava terrivelmente tristes.


s espaços onde as mercadorias ficavam expostas eram cada vez
maiores, mais bonitos e coloridos, meticulosamente limpos,
contrastando com o abandono das estações de metrô, dos correios e
das escolas públicas. Todas as manhãs, eles renasciam no esplendor e na
abundância do primeiro dia do Éden.

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