Piauí - Edição 152 [2019-05]

(Antfer) #1

mais ricos se lembrarem da penúria e da austeridade dos antigos países
do Leste Europeu.


Produziu-se aquilo que tinha sido anunciado nos anos 70 por Debord,


Dumont – e também por um romance de Le Clézio.[12] Como tínhamos
deixado acontecer algo assim? Nem todas as previsões tinham se
realizado, não estávamos cobertos de picadas, nossa pele não estava
caindo como em Hiroshima, não era preciso usar máscara de gás para
sair às ruas. Ao contrário, estávamos mais belos, com a saúde melhor e
cada vez mais era inconcebível morrer de alguma doença. Ainda havia
motivos para deixar os anos 2000 seguirem adiante sem perder a cabeça.


Lembrávamos a reprimenda dos pais: “Você não está feliz com o que
tem?” Agora dava para saber que tudo o que tínhamos não bastava para
ser feliz, mas isso não era um motivo para abrir mão das coisas. E que
algumas pessoas fossem isoladas, “excluídas”, isso parecia o preço a ser
pago, uma cota indispensável de vidas sacrificadas, para que a maioria
pudesse continuar aproveitando.


Um comercial dizia: “Entre o dinheiro, o sexo e as drogas, escolha o
dinheiro.”


Precisávamos nos atualizar comprando um aparelho de DVD, uma
câmera digital, um MP3 player, um modem ADSL, uma tevê de tela
plana, a mudança era constante. Não acompanhar os novos produtos
significava aceitar o envelhecimento. À medida que o desgaste deixava
marcas na pele, que ele afetava insensivelmente o corpo, o mundo nos
enchia de coisas novas. Nosso desgaste e a marcha do mundo iam em
direções contrárias.


As questões que surgiam com o aparecimento de novas tecnologias eram
suprimidas umas depois das outras em um uso que tinha se tornado

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