desconhecidas. (Será que um dia veríamos na cabeça do ser humano toda
a sua história inscrita, o que fez, disse, viu e ouviu?)
A vida acontecia em uma profusão de coisas, de informações e de
“especialidades”. Produzia-se opinião sobre um fato logo que ele
acontecia, sobre os comportamentos, os corpos, o orgasmo e a eutanásia.
Tudo era discutido e decifrado. As formas de pôr a vida e as emoções em
palavras se multiplicavam, com termos como “vício”, “resiliência” e
“trabalho de luto”. Depressão, alcoolismo, frigidez, anorexia, infância
infeliz, nada mais era vivido em vão. Comunicar as experiências e os
fantasmas era um gesto que fazia bem para a consciência. A introspecção
coletiva oferecia modelos para verbalizar as inquietações do eu. O saber
comum aumentava seu repertório. O pensamento era cada vez mais ágil,
a aprendizagem, mais precoce, e a lentidão da escola desesperava os
jovens que digitavam mensagens em seus celulares na maior velocidade.
Em meio à mistura de conceitos, era cada vez mais difícil encontrar uma
frase para si próprio, a frase que, quando dita em silêncio, ajudasse a
viver.
Na internet, bastava escrever uma palavra-chave para surgirem milhares
de “sites”, jogando em desordem pedaços de frases e fragmentos de
textos que nos sugariam para outros lugares em uma caça ao tesouro
excitante, um achado atrás do outro, indo até o infinito de uma coisa que
já não estávamos buscando. Dava a ilusão de podermos dominar a
totalidade do conhecimento, entrar na multiplicidade de pontos de vista
lançados em blogs em uma língua nova e brutal. Informar-se sobre os
sintomas do câncer na garganta, a receita da moussaka, a idade de
Catherine Deneuve, o clima em Osaka, o cultivo de hortênsias e cannabis,
a influência dos japoneses no desenvolvimento da China – jogar pôquer,
gravar filmes e discos, comprar de tudo, ratos brancos e revólveres,
Viagra e vibradores, vender e revender de tudo. Conversar com
estranhos, xingar, paquerar, inventar uma persona para si. Os outros não
tinham corpo, nem voz nem cheiro nem gestos, não podiam nos alcançar.