Piauí - Edição 152 [2019-05]

(Antfer) #1

com dedos em gancho, como imagem de uma ideia,
e bater em lenta escansão pelo metal martelado
do mar da tarde, folha que minha mão direita singra
pequena vela rumo à Martinica ou à Sicília.
Na distância salpicada de lilás, a mesma ferrugem de promontórios
com manchas de casas sopradas da espuma da calha,
e o eco da gaivota por onde correu a sombra de outra gaivota,
entre mares lanhados de sol. Grito algum é exultante o bastante
para minha gratidão, para meu peito que abre suas dobradiças
e enviesa minhas costelas com a luz. No fim, uma sombra
mais lenta que a de uma gaivota sobre a água se estende, aos poucos,
e cobre o gramado. Há o mesmo ardor eminente
dos poentes retóricos na Sicília como na Martinica,
e o mesmo horizonte sublinha sua ausência reluzente,
brilhos amados há tempos que, talvez, não falem
pela indizível delícia, já que a fala é para mortais,
já que no fim de cada frase há um jazigo
ou a porta azul do céu ou, uma vez, os amplos portais
do nosso destituído sublime. A única luz que temos
ainda brilha numa espira ou concha enquanto cai
e dobra esta página cobrindo-a de onda branca.


The Bounty [34]


At the end of this line there is an opening door
that gives on a blue balcony where a gull will settle
with hooked fingers, like the image of an idea,
beat in slow scansion across the hammered metal
of the afternoon sea, a sheet that my right hand steers
a small sail making for Martinique or Sicily.
In the lilac-flecked distance, the same headlands rust
with flecks of houses blown from the spume of the trough,
and the echo of a gull where a gull ́s shadow raced
between sunlit seas. No cry is exultant enough
for my thanks, for my heart that flings open its hinges
and slants my ribs with light. At the end, a shadow

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