Piauí - Edição 152 [2019-05]

(Antfer) #1

É


Na Venezuela, por causa da escassez de alimentos, as pessoas passaram a
estocá-los. Quando havia algum produto disponível, corriam para
comprar o máximo que podiam – e guardavam. O inesperado e longo
apagão do início de março pôs a perder quilos de carne, de frango e
alimentos que exigiam refrigeração. Vi numa esquina restos de quatro
hallacas – uma espécie de pamonha recheada que os venezuelanos fazem
em dezembro e depois congelam – que devem ter sucumbido ao corte de
energia. Parece um lixo banal, mas ninguém no país jogaria fora quatro
hallacas. Como os apagões ficaram cada vez mais frequentes, as pessoas
passaram a comprar menor quantidade de produtos. O que criou um
novo grande problema para a população: se o estoque é menor e acaba
mais rapidamente, se nem sempre os produtos estão disponíveis por
causa do desabastecimento, como fazer para comer?


desesperador. E talvez tenha sido o desespero que levou centenas
de pessoas a invadirem shopping centers, hotéis, padarias e lojas e
carregar tudo o que podiam, incluindo fios, tomadas e outras partes
da infraestrutura, em alguns casos reduzindo o interior dos locais a um
amontoado de escombros. Quase nenhum desses comércios saqueados
reabriu as portas. Vídeos que circulam nas redes sociais mostram pessoas
quebrando portas de aço e vidraças, carregando roupas, sapatos e
eletrodomésticos, acendendo pequenas fogueiras dentro dos
estabelecimentos comerciais para quebrar o breu. As imagens me
lembraram as do Caracazo, uma revolta popular seguida de saques
ocorrida em Caracas, em fevereiro de 1989, em protesto contra um pacote
econômico do então presidente Carlos Andrés Pérez. Hugo Chávez via
no Caracazo a semente de sua “revolução”. Em 2012, num encontro com a
imprensa, ele descreveu a revolta como a única forma de um povo “que
estava pedindo comida e saúde ser ouvido”. E acrescentou, recorrendo ao
seu habitual carisma: “E o que os líderes fizeram, os líderes entre aspas,
trancafiados no Palácio de Miraflores, foi mandar aos militares
metralhadoras, chumbo e morte.”


“Dava para ouvir, daqui de casa, muitos gritos durante o apagão, sem
falar nas viaturas policiais, que passavam o tempo todo”, conta Júlia.
“Estava tudo escuro, dava medo, chegamos a pensar que podiam até

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