Piauí - Edição 152 [2019-05]

(Antfer) #1

O médico que conseguiram suspeitava que minha mãe tinha sofrido um
pequeno AVC, mas precisava de exames para confirmar o diagnóstico.
Porém, o único local de San Cristóbal que dispunha de equipe médica
para realizar os exames não estava funcionando. Teríamos que esperar. À
noite, liguei de volta para saber como estava a situação. A cuidadora
Clara estava me contando que minha mãe acabara de jantar e estava
tranquila, quando ouvi o grito da minha tia.


Era madrugada quando apanhei um táxi em São Paulo, rumo ao
aeroporto de Guarulhos. Como quase todas as companhias aéreas
suspenderam suas viagens para a Venezuela, tive que pegar um voo para
Bogotá, de onde segui de avião para Cúcuta, também na Colômbia.
Cheguei às duas da tarde e tomei um táxi até a ponte internacional Simón
Bolívar – na fronteira com a Venezuela. Meus primos estavam me
esperando ali. A pé, atravessamos a ponte. Pude ver, embaixo da ponte,
pessoas atravessando o rio Táchira, com água pelo pescoço, rumo à
Colômbia, bem à vista dos guardas nacionais e oficiais de migração
colombianos. “Os coiotes cobram das pessoas para passar ilegalmente e
dividem o dinheiro com os guardas”, contou um dos primos que
costumava atravessar a ponte semanalmente para comprar alimentos em
Cúcuta.


“Paulina estava cansada”, disse minha tia Rosa logo que cheguei ao
velório. Tia Rosa e eu nunca fomos muito próximas, mas ultimamente
conversávamos todo dia por telefone, e ela me acolheu imediatamente,
como se, além de me confortar, quisesse me proteger. No fundo, sabia
que eu me sentia culpada por ter me mudado para o Brasil e deixado
minha mãe na Venezuela, sozinha.


Foram meus primos que cuidaram do velório e dos trâmites burocráticos.
Quando uma pessoa morre em casa, tudo é mais complicado, eles me
disseram. Como, além disso, a morte de Paulina tinha ocorrido à noite,
conseguir um atestado de óbito – sem o qual funerária nenhuma aceitaria
levar o corpo – foi algo muito difícil. Eles acabaram encontrando uma
funerária que dispensou provisoriamente o atestado, que tinham acabado
de obter na manhã daquele dia, depois de implorarem ao último médico
que atendeu minha mãe.

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