Piauí - Edição 152 [2019-05]

(Antfer) #1

J


anos, seus tios emigraram para a Espanha e, depois da morte de seu pai,
faz o que pode para manter o negócio familiar. “Está cada vez mais
difícil”, diz.


uan Pablo e eu voltamos a El Rosal a pé, novamente. As calçadas
continuam vazias. Muitos prédios e algumas casas parecem
abandonados. Minha sorveteria preferida não existe mais, como
também a maioria dos locais que eu costumava frequentar uma década
atrás. Aqui ficava tal coisa, ali tal outra, vou recitando para meu
sobrinho. “Aqui não tem nada”, ele diz, cabisbaixo, e compreendo que
está um pouco irritado de ter que lidar não só com uma cidade em ruínas,
mas também com as ruínas do meu passado.


Quase todas as lojas continuam fechadas, mesmo depois de restabelecida
a energia elétrica. Encontramos um mercado aberto e, depois de passar o
cartão cinco vezes, a conexão funciona e consigo comprar um refrigerante
não muito gelado para Juan Pablo. Ao contrário das últimas vezes em
que estive em Maracaibo, percebo que há mais alimentos nas prateleiras,
inclusive de marcas tradicionais. Os preços, porém, são mais altos que no
Brasil. Uma latinha de refrigerante, por exemplo, custa 3,80 reais; uma
cartela de ovos, 19 reais; um pacote de 900 gramas de leite em pó, 30,40
reais. A sensação é que, dado o agravamento da crise, o governo não está
mais controlando os preços e faz vista grossa para as remarcações.


Há mais de um ano, Júlia conseguia arcar sozinha com as despesas da
casa. Agora, seu salário quinzenal de 18,50 dólares (cerca de 73 reais)
como enfermeira só dá para comprar 1 quilo de queijo, 1 quilo de leite em
pó e uma cartela de ovos. Por causa da disparada de preços, meu irmão
começou a mandar dinheiro toda semana para ela. Sem essa ajuda, Júlia e
Juan Pablo não teriam o que comer. Minha cunhada é grata por isso, mas
não se sente muito confortável com o fato de depender tanto de alguém
que no passado fez da sua vida um tormento.


No caminho passamos por uma enorme academia de ginástica de luxo,
cujo estacionamento – vigiado por dois seguranças – está lotado. A
construção nova, toda envidraçada e com colunas de cores vibrantes,
contrasta com os edifícios arruinados em volta. Só deve ser frequentada
pelos ricos que restaram na Venezuela, penso, quando vejo uma mulher

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