Piauí - Edição 152 [2019-05]

(Antfer) #1

loira de rabo de cavalo, top e legging cinza, pedalando uma das bicicletas
ergométricas.


Chegamos à casa da minha cunhada, e lá também a luz voltou, há poucos
minutos. Mas o estado psicológico de terror é constante, as pessoas estão
sempre em pânico pela iminência de um novo corte. Minha linha
telefônica começa a funcionar, e as mensagens pipocam no WhatsApp.
Um grupo de colegas venezuelanos, que vivem no país e fora, é minha
única fonte de informação. Mas o serviço telefônico é tão instável que
perco a paciência e desisto de saber o que está acontecendo na Venezuela.


Quase não ouço ninguém falar, nem nas filas de supermercado, de Juan
Guaidó, autodeclarado presidente interino em janeiro pela Assembleia
Nacional, da qual ele é presidente. As poucas referências a Guaidó feitas
pelas pessoas têm um tom de frustração. “Vamos bem, vamos bem”, é a
frase que Guaidó repete o tempo todo. “Vamos bem coisa nenhuma!”, diz
a vizinha da minha cunhada. Crisbel, a sobrinha de Júlia, aproveita e
mostra às gargalhadas os memes que entram no seu WhatsApp
ironizando a frase que o jovem político de oposição escolheu como lema.
Numa das montagens, ele aparece afundando num atoleiro com as mãos
para o alto e exclamando: “Vamos bem!” Outra mostra o ator Robert
Downey Jr. com expressão de cansaço, e embaixo a legenda: “Lá vem o
Guaidó com seu ‘Vamos bem’.” Também não vi propagandas nem
grafites com o nome dele nos lugares por onde andei. Parece que as
obsessões locais no momento são, de fato, a eletricidade e a água.


Maduro, por sua vez, gera uma catarse verbal nas pessoas. “Psicopata”,
“anormal”, “filho da puta” e “desgraçado” são palavras que costumam
acompanhar o nome do presidente. “Que é que vocês vão racionar mais,
se nunca temos luz, Maduro psicopata?”, comentou um vizinho com
quem cruzamos na escada.


Jantamos na sala com as duas luminárias acesas, um desperdício de luz.
O único quarto com ar-condicionado está gelado e, por causa das minhas
alergias, prefiro dormir outra vez na rede.


Na manhã do dia seguinte, quando eu acordo, Júlia já está amassando as
arepas na cozinha. Hoje ela não engarrafou água, a bomba da caixa está

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