Piauí - Edição 152 [2019-05]

(Antfer) #1

N


interditados por falta de peças de reposição. Alguns animais de
estimação e até mesmo seres humanos fazem suas necessidades nas
escadas. Nas áreas comuns, o lixo se acumula devido à coleta precária.
Apesar de tudo isso, ainda resta no condomínio um porteiro. E o síndico
se mostra prestativo para resolver algum problema mais grave.


Num impulso, como se acabasse de lembrar de fazer alguma coisa
urgente, Júlia se levanta e vai até a cozinha para preparar o frango. “Com
sal, consigo conservá-lo até o almoço de amanhã”, diz. Um cheiro forte de
fritura toma conta do apartamento. “Dona Paula não teria aguentado
isso”, diz ela, referindo-se à minha mãe. O uso de frituras é comum em
Maracaibo, mas não era na casa da minha cunhada. Nos últimos meses,
porém, passou a ser um recurso cada vez mais frequente, pois permite
economizar óleo, que é reaproveitado várias vezes. “Também uso a
mesma panela, sem sujar outras, por vários dias, assim poupo água.” É
uma sorte que o gás encanado não esteja em falta em Maracaibo.


ão é só em casa que Júlia enfrenta desafios, mas também no
trabalho. Enfermeira no pronto-socorro do maior hospital público
da cidade, o Hospital Universitário de Maracaibo, ela está
acostumada a lidar com situações difíceis, embora diga que não se
preparou para “isso”. Ano passado, quando houve um corte de energia,
quatro enfermeiras, uma delas amiga muito próxima de Júlia, tiveram
que se revezar para bombear manualmente o ar em dois pacientes na uti.
Era noite, o gerador não funcionava e elas nem podiam ver direito o rosto
dos doentes. Um deles morreu, apesar de aquelas mulheres não terem
interrompido a bomba de ar um segundo sequer, durante toda a noite.
“Você faz ideia de como é cansativo apertar uma bomba de ar sem
parar?”, pergunta Júlia. “Agora, imagine o que é ter que carregar, às
escuras, pelas escadas, um paciente que acabou de morrer.”


A decrepitude dos hospitais não se revela apenas nos momentos de
apagão: é uma constante, e se agrava dia após dia. Há crianças que
esperam por cirurgias sempre adiadas, pois os médicos não querem
correr o risco de serem surpreendidos na hora da operação por um corte
de energia. “Uma mulher está com o filho hospitalizado faz alguns dias e,

Free download pdf