Piauí - Edição 152 [2019-05]

(Antfer) #1

na semana passada, sua filha quebrou um braço. Mas não têm como tirar
um raio X. Os hospitais não querem ligar os aparelhos porque temem que
estraguem se houver uma oscilação repentina de voltagem ou um corte
de energia. A menina está lá, com o braço fraturado, sem saber quando
vai poder tirar essa chapa”, conta Júlia, iluminada pela luz do celular,
enquanto vira os filés de frango na panela.


Outro menino, indigente, foi internado com traumatismo craniano, após
ter sido atropelado por um carro sem faróis. O motorista não parou para
prestar auxílio e foi uma mulher que levou a criança ao hospital. Como o
tomógrafo está com defeito, a única coisa que os médicos tinham
conseguido fazer até então foi mantê-lo sedado, esperando que se
recupere. Alguém conseguiu sedativos para os primeiros dias, mas o
produto está em falta. E a mulher que resgatou o menino não tem
dinheiro. Falta até mesmo roupa de cama no hospital. Os próprios
enfermeiros levaram lençóis de casa para cobrir a criança.


Além disso, a UTI da pediatria está fechada porque o ar-condicionado
parou de funcionar há mais de um ano. O local virou um depósito de
leitos e aparelhos, a maioria está quebrada. As crianças foram
transferidas para a UTI dos adultos. Com isso, as vagas nesse setor foram
reduzidas de seis para três pacientes adultos. Também está fechada a área
de oncologia pediátrica, por causa da falta de enfermeiros.


Júlia tem que caminhar quarenta minutos para chegar ao hospital. Mas
nem todo mundo que trabalha ali mora a uma distância que possa ser
percorrida a pé, por isso sempre há gente que falta. Muitos também se
demitem, por não receberem o salário. Ela mesma não recebeu o
pagamento de 18,50 dólares referente às duas últimas quinzenas. O
pessoal que ainda resta no hospital costuma fazer turnos de doze a 24
horas, e o que Júlia e seus colegas mais temem é que não haja novas
contratações, o que implicará, para quem permanece, na ampliação das
jornadas já extenuantes.


Sem alterar o seu tom habitual de voz, ela continua me contando coisas
estarrecedoras sobre o seu trabalho. Faltam medicamentos, luvas
cirúrgicas, álcool, soluções fisiológicas, algodão... A água é bombeada
duas vezes por dia para que os enfermeiros a armazenem em tambores.

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