Piauí - Edição 152 [2019-05]

(Antfer) #1

Antes, era a presença de minha mãe que nos aproximava. Agora é a
ausência dela.


Na manhã seguinte, já não havia nem uma gota sequer para espremer da
caixa-d’água, mas nos garrafões restava um pouco do dia anterior. Nosso
café da manhã foi arepas com ovos. Prevendo que não haverá almoço,
meu sobrinho come duas.


Vejo vizinhos subindo com água, e logo deduzimos que devem estar
tirando do poço nos fundos do edifício. Rapidamente juntamos alguns
vasilhames e descemos até lá. Encontramos uma fila de umas dez pessoas
com um sem número de recipientes plásticos em formatos variados.


A indefinição sobre o fornecimento de energia levou o condomínio a criar
um método para distribuir a água do poço. Munidos de baldes enormes,
voluntários se revezam para extrair o líquido precioso do poço e despejá-
lo numa caixa de 200 litros com uma torneira, na qual os moradores
recolhem a água. O sistema é rápido, mas a fila é extenuante, ainda mais
com a temperatura ultrapassando os 30 graus. Apesar disso, os
moradores enfrentam a fila muitas vezes, tentando coletar a maior
quantidade de água possível. Como formiguinhas, descem e sobem os
andares, carregados de vasilhas.


Júlia, Juan Pablo, Cristel e eu fizemos o mesmo que eles, indo e vindo
várias vezes, do térreo ao 7º andar, do 7º andar ao térreo. Cem litros mais
tarde, estávamos completamente exaustos, mas não havia mais por que
nos queixarmos. Tínhamos recolhido água para mais alguns dias. E Júlia,
finalmente, poderia lavar os cabelos.

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