Piauí - Edição 152 [2019-05]

(Antfer) #1

Q


É, também, uma postura humilhante. A mulher se sente impotente,
passiva e exposta. Não há motivos para ser tão utilizada, senão por
tradição e conveniência da equipe médica. Não há motivos para ser
considerada a única opção disponível.


Na falta de uma indicação categórica a esse respeito, tanto a revisão
Cochrane quanto a OMS (Organização Mundial da Saúde) recomendam
que a mulher seja encorajada a ficar na posição que julgar mais
confortável. O ideal é que ela se mantenha ativa, caminhando e
movimentando o corpo como desejar.


Mas é como se essas orientações não pertencessem ao reino do possível.
Ouvir e acolher as preferências das mulheres não é uma prática
suficientemente corriqueira no contexto obstétrico. Há profissionais que
nem tratam suas pacientes com respeito, agindo como se devessem julgá-
las e puni-las por disporem de sexualidade. Que elas possam ter alguma
voz ou protagonismo ao parir não passa pela cabeça de muitos.


Hoje, cada vez mais, são os obstetras que “fazem” o parto, sob aplausos
moderados da plateia – e suas práticas ocasionalmente causam
complicações que só eles são capazes de resolver. Isso, por sua vez,
aumenta ainda mais a vulnerabilidade da mulher, a quem só resta
permanecer deitada com as pernas presas em estribos, expressando-se o
mínimo possível para não aborrecer o cirurgião.


O parto, que era para ser um evento fisiológico iniciado e executado pelo
corpo da mulher, se tornou uma cirurgia com hora marcada e uma dúzia
de espectadores.


Nesse cenário, parir de cócoras é uma resistência.


uando fiquei grávida, meu único desejo com relação ao parto era
que fosse realizado da forma mais tranquila possível, sem grandes
expectativas. Não sonhava em ter uma experiência mística de
contato com o sagrado feminino – digamos, um parto orgástico dentro de
uma piscina de plástico –, nem entrar em comunhão com a Mãe Terra

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