Piauí - Edição 152 [2019-05]

(Antfer) #1

abraçando um pé de jaca e mentalizando galinhas poedeiras. Tampouco
desejava marcar uma cesárea eletiva em uma data e horário bom para as
visitas, antecipando conjunções favoráveis no mapa astral do bebê e um
signo compatível com suas futuras pretensões de príncipe ou princesa.


Achei que esse desejo de não planejar o implanejável fosse sensato. Na
minha cabeça, eu entraria em trabalho de parto e iria até a maternidade
indicada pelo meu convênio, onde seria atendida por um plantonista e
teria minha filha como tivesse de ser. Antes, leria um pouco sobre
fisiologia do parto, faria uns exercícios de preparação e deixaria pronto


um setlist no celular com músicas para animar o evento.[1]


A única concessão que faria em termos de planejamento seria a
contratação de uma doula – profissional que dá assistência física e
emocional às mulheres no parto. Ela me acompanharia em casa desde o
início dos trabalhos, aplicando massagens na coluna lombar para aliviar a
dor das contrações e me tranquilizando sobre o andamento do processo.
Quando a dilatação estivesse mais avançada, iríamos para o hospital.


O plano fracassou logo nas primeiras conversas que tive com outras
gestantes. Fiquei sabendo que, hoje em dia, ter um parto normal com um
plantonista na maioria das maternidades privadas de São Paulo era tão
improvável que a notícia certamente sairia nos jornais. Aparentemente,
até se eu estivesse com dilatação total e o bebê já metade para fora, com
as mãos estendidas para cumprimentar a equipe médica, era possível que
dessem um jeito de enfiar de volta para fazer a cirurgia. Os números
confirmam esse prognóstico: dados fornecidos pela Secretaria Municipal
de Saúde apontam que a taxa de cesarianas nas maternidades privadas
de São Paulo chegou a 81,4% em 2017. (Nos hospitais públicos, o número
é bem menor: 33,9%.)


Sendo assim, pensei que talvez as minhas chances fossem maiores se eu
conversasse com a ginecologista/obstetra que me atendia pelo convênio.
Logo nas primeiras consultas, ela disse que, claro, acompanhava partos
normais. Com o passar dos meses, porém, o discurso foi sutilmente se
transformando. Primeiro, ela afirmou que faria um parto normal se tudo
estivesse perfeito no fim da gestação. Depois, diante de algumas
perguntas mais específicas, insistiu que ainda era muito cedo para saber.

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