Piauí - Edição 152 [2019-05]

(Antfer) #1

de mulheres que passou a preferir uma cesariana após as consultas do
pré-natal alcançou valores superiores a 70%. Como a maioria é
acompanhada pelo mesmo médico durante o pré-natal e o parto, há
suspeitas de que exista uma orientação clínica para optar pela cirurgia.


Em alguns casos, a ânsia por agendar uma cesariana reflete o desejo dos
próprios médicos de facilitar seu trabalho, tornando mais previsível e
rentável um processo que parece mesmo antiquado. No parto normal, a
paciente sofre, sangra ou grita por horas a fio só para obter um resultado
que poderia ser alcançado em menos de uma hora, de forma mais limpa,
educada e a tempo de o médico ir jantar em casa. Considerando a
remuneração paga pelos convênios para o parto vaginal, não compensa
passar tanto tempo com uma única paciente quando se poderia estar
atendendo várias mulheres no consultório ou efetuando múltiplas
cirurgias. Em comparação ao parto vaginal, a cesariana é um
procedimento muito mais “seguro” para os obstetras.


Para os hospitais privados, a cesárea também é mais lucrativa, já que eles
recebem um repasse maior dos planos de saúde, o centro cirúrgico ganha
em rotatividade e é possível maximizar o uso dos leitos com o
planejamento antecipado das cirurgias eletivas. Há mais gastos
(reembolsáveis) com material hospitalar, anestesia, equipamentos e
remédios, além de haver um aumento no tempo de internação e nas
admissões na UTI neonatal.


Para completar esse quadro, vivemos em uma sociedade que procura
desencorajar as mulheres e fazê-las duvidar de que são capazes de parir.
Enquanto, nos consultórios, mês após mês, a paciente se depara com um
possível problema a mais, nos filmes e séries de tevê, o parto normal é
caricatural, selvagem e melodramático. Não raro se traduz em cenas
impactantes que ocorrem em quartos sujos de cenários pós-apocalípticos,
ou em situações extremas nas quais a grávida precisa roer o cordão com


os dentes. É comum, aliás, que o bebê seja um alienígena ou o demônio.[3]


Também nas novelas, segundo um estudo de Claire Stanton, da
Universidade de Princeton, o parto vaginal é retratado “como um evento
doloroso, traumático e primitivo, enquanto a imagem do parto cesariana
é calma, controlada e moderna”.

Free download pdf