Piauí - Edição 152 [2019-05]

(Antfer) #1

A


Essa ideia já está tão consolidada no imaginário que, sempre que uma
gestante diz que deseja ter o filho de forma natural, as pessoas
comentam: “Que coragem!”, e se põem a narrar a história de uma
concunhada que estava assistindo à tevê quando começaram as
contrações, o cordão umbilical entrou em prolapso e todos morreram.
Algo que no passado era comum se tornou um evento temerário, restrito
às mulheres mais fortes ou mesmo inconsequentes. Um dos últimos
causos que a Obstetra do Convênio me contou foi de uma paciente que
chorou de dor e acabou implorando pela cesárea. “É comum que,
chegando a hora, elas não aguentem”, comentou.


gota d’água foi quando a Obstetra do Convênio disse que sempre
fazia episiotomias. “Faço mesmo”, ela repetiu, parecendo se gabar
do fato. O termo se refere ao corte realizado na região do períneo
com o objetivo de ampliar o canal de parto e supostamente facilitar a
passagem do bebê, minimizando o risco de lacerações.


O procedimento foi bastante utilizado no passado, mas entrou em
declínio nas últimas quatro décadas, quando estudos mostraram que não
havia evidências científicas de seus benefícios. Não só isso: constatou-se
que a episiotomia de rotina pode levar a lacerações mais graves e até à
disfunção do assoalho pélvico. Uma revisão sistemática Cochrane de 2017
concluiu que a prática indiscriminada da episiotomia resultou em um
número maior de mulheres com traumas graves na região da vagina e do
períneo. O estudo comparou a episiotomia de rotina à episiotomia
seletiva – ou seja, realizada apenas quando há necessidade, como em
partos com fórceps.


No início de 2018, a OMS lançou um excelente manual chamado
Intrapartum Care for a Positive Childbirth Experience [Cuidados
Intraparto para uma Experiência Positiva de Parto], no qual é categórica
em não recomendar o uso liberal desse procedimento, acrescentando que,
nos dias de hoje, “não há nenhuma evidência para corroborar a
necessidade da episiotomia nos cuidados de rotina”.

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