Piauí - Edição 152 [2019-05]

(Antfer) #1

Na saída, fiquei pensando sobre a insistência de várias amigas que me
diziam ser essencial encontrar um obstetra no qual eu confiasse 100%.
Muitas também recomendavam contratar uma equipe multidisciplinar,
dessas que cobram o equivalente à tradução de um épico hindu. Achava
isso um contrassenso. Afinal, o movimento de humanização busca
justamente retomar o protagonismo das mulheres no parto, enxergando-
o como um processo fisiológico que respeita o tempo de nossos corpos,
em oposição a um evento patológico e medicalizável. Confiar cegamente
em um profissional é bem o que ocorre no modelo cesarista.


Hoje entendo que essa demanda por um obstetra confiável e por uma
equipe dos sonhos faz sentido em um país onde a violência obstétrica é
vista como natural e as taxas de cesárea são estratosféricas. Ainda assim,


eu, que não confio 100% nem na minha própria mãe,[10] pretendia fugir
ao máximo dessa dependência. Por isso redigir o plano de parto foi um
passo tão importante: agora eu sabia exatamente o que queria, o que não
queria e por quê.


Em todo caso, resolvi marcar uma consulta com outra obstetra adepta do
parto humanizado. E assim conheci a dra. Larissa de Freitas Flosi – uma
ilha de sensatez num oceano de mecônio. Ela ouviu as minhas angústias e
me tranquilizou. O preço da consulta era acessível e ela cobraria menos
de cem laudas para acompanhar o parto. Não me impôs suas opiniões,
respeitou as minhas preferências e não me deixou neurótica. Pediu uns
poucos exames, disse que estava tudo bem e se comprometeu a me
atender em horários alternativos que combinassem com o meu distúrbio
do sono.


Àquela altura, eu já estava com 31 semanas. Foi a primeira vez que saí
tranquila de uma consulta: eu sabia que agora tinha chances de conseguir
um parto respeitoso sem precisar vender uma córnea. Pouco depois,
escolhi uma enfermeira obstétrica para ir à minha casa quando as dores
começassem. E assim tudo se encaminhou.


As semanas seguintes foram tranquilas, sem grandes preocupações além
de adiantar uns trabalhos e assistir a todas as temporadas da série Call
the Midwife. Veio o marco das 37 semanas, que é quando a OMS

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