Piauí - Edição 152 [2019-05]

(Antfer) #1

Eu acompanhava o relógio por trás do pano preto – incapaz de tapar por
completo aqueles números gigantes – e achava que não conseguiríamos.


No total, o bebê demorou cerca de seis horas para desentalar. E boa parte
do sucesso se deveu à enfermeira Natália, que me orientou a fazer
infinitas sessões de agachamento, exercícios com a bola e manobras com
um rebozo (xale comprido de algodão muito usado por parteiras e
doulas).


Às oito da noite, para delírio dos presentes, o neném desceu para o plano
+1. Pedi mais um pouco de analgesia, que aplicaram pelo cateter. De vez
em quando, a dra. Larissa ligava a lanterna do celular, agachava até o
chão e se punha a inspecionar o andamento dos trabalhos. (É uma
sensação estranha: parece que estão fotografando as suas partes.) Outras
vezes, Natália ouvia os batimentos fetais com um sonar para ver se estava
tudo em ordem. Às dez horas da noite, a cabeça do bebê atingiu o +2.


Continuei fazendo força, e a certa altura saiu um simpático cocô.[14] Às
onze, chegamos ao +3.


Às 23h20, fui para o leito e testei várias posições para o expulsivo final. A
mais confortável foi a “quatro apoios”, popularmente conhecida como
“de quatro”. (Na verdade, os apoios eram seis, pois a cabeceira da cama
estava elevada e eu me debrucei sobre ela, usando também os cotovelos.)
Essa posição deixa a pelve, o sacro e os ossos ilíacos mais livres, facilita o
desprendimento dos ombros do bebê e previne lacerações.


E então veio o mais difícil.


“Já estamos vendo a cabeça”, elas me disseram um monte de vezes,
acrescentando a informação de que se tratava de um bebê bastante
cabeludo. Eu fazia força e mais força, e elas continuavam na mesma:
“Estamos vendo a cabeça! Olha!” Aquilo começou a me irritar. Eu estava
exausta, com sono e sabia que não estava progredindo. Sentia todo o
diâmetro da cabeça do bebê entalado no meio do caminho, como um cocô
de 3 quilos e meio que tomou um atalho errado e não conseguia sair; nem
toda a força de vontade do mundo seria capaz de expelir um cocuruto
daquele tamanho. Na minha mente, era tudo ou nada: ou eu expulsava o
bebê de uma vez, num impulso só, ou ele não sairia nunca de lá. A dor

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