Piauí - Edição 152 [2019-05]

(Antfer) #1

era muito grande. Naquele ponto, não havia mais analgesia que desse
conta.


Ao nosso redor, pouco a pouco, começaram a chegar alguns profissionais
do hospital – como a pediatra neonatal e a enfermeira do plantão – para
presenciar o nascimento. Só reparei que a sala estava cheia quando
perguntei: “Mas não dá para ajudar a puxar?” e ouvi muitas risadas ao
fundo, feito uma claque de série de tevê. Olhei para o lado e havia meia
dúzia de espectadores de braços cruzados. “É sério”, eu completei,
magoada. Quase mandei todo mundo embora. Não sei para que tanta
gente se ninguém estava disposto a puxar.


De vez em quando, em pleno expulsivo final, entrava alguém e fazia uma
pergunta descabida para a obstetra, como: “Vai demorar?”, “Quer que
chame o pediatra?”, “Quanto tempo de dilatação total?”, e a última do
dia: “Vai virar cesárea?”


A equipe da maternidade parecia um pouco perdida nos protocolos.
Lembro de ter que responder, em pleno trabalho de parto, a uma
infinidade de perguntas de cadastro, como “escolaridade”, “profissão” e
“religião”. Lembro também de me irritar com uma enfermeira que, no
meio de uma contração das mais doloridas, pediu que eu me virasse um
tantinho para que ela pudesse trocar o lençol da cama, que estava
manchado de sangue. A preocupação com a esterilização não fazia o
menor sentido naquele ambiente.


“Estou morrendo”, informei ao meu marido, que era a única pessoa da
sala com quem eu ainda estava conversando. Sinceramente não me
importaria se isso acontecesse: seria uma ótima chance de dormir. Só
queria que aquilo acabasse logo. Ele não respondeu e trocou olhares
preocupados com a obstetra.


Então, às 23h41, sem muito aviso, Mabel nasceu: um serzinho minúsculo
e escorregadio que só permaneceu uns dez segundos nas mãos da dra.
Larissa. Assim que ela desentalou, a dor imediatamente passou, como
que por milagre. Eu me virei de uma só vez, em um movimento ágil que
foi descrito pela obstetra como um “triplo carpado”, e me estiquei para

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