Piauí - Edição 152 [2019-05]

(Antfer) #1

sozinha naquela ala e pedi para chamarem meu acompanhante. As
enfermeiras perguntaram onde ele estava, e eu respondi que não fazia
ideia. Então me pediram o número do celular dele, que eu também não
tinha. Depois de um tempo, Gigio apareceu, e juntos indagamos por que
Mabel não estava lá comigo. Afinal, ela havia nascido saudável. O setor
de recuperação anestésica entrou em contato com o setor do berçário, e
eles afirmaram que Mabel não descera para ficar com a mãe porque
estava sem roupa. (Um bebê sem roupa! Santa indecência! Onde é que
vamos parar?)


Só então informaram meu marido que ele deveria ir ao berçário do 6º
andar para honrar suas atribuições de roupeiro. Em pouco tempo, Mabel
apareceu na recuperação anestésica com seu portentoso macacão de
ratinhos. Um bebê muito rosado, cabeludo e invocado.


Recebi alta às 3h35, mas ficamos uma hora esperando para sermos
levadas ao quarto. É que houve algum tipo de confusão no meu
prontuário que ninguém sabia resolver. Como eu passara pelo pronto-
socorro (trabalho de parto), pelo centro obstétrico (parto normal) e pelo
centro cirúrgico (para a extração da placenta), parece que entrei num
limbo burocrático. As enfermeiras chamavam outras enfermeiras, que
encaravam telas de computador e de palmtops. E eu ali, ainda pelada e
sangrando, sem comer nada substancial há quase 24 horas. Antes de me
levarem ao quarto, uma das enfermeiras ainda puxou o meu lençol, viu
que eu estava sem roupa e estranhou: “Não colocaram o top baby em
você?” Ela se referia a uma espécie de bustiê que servia para carregar o
bebê. “Minha senhora, olha o meu estado. Claro que não”, eu quase
respondi, mas fiquei quieta. No mundo da obstetrícia moderna, mulheres
dóceis ganham comida mais rápido.


Chegamos ao quarto às 4h40. Lá, fui informada de que não poderia me
vestir nem tomar banho sozinha, pois havia risco de queda. De acordo
com a minha ficha, o banho estava agendado só para as onze e meia da
manhã, na companhia de uma enfermeira. Perfeitamente compreensível.
Eu havia passado o dia todo suando, fazendo cocô no chão, vertendo 300
mililitros de sangue e parindo um bebê rosado, mas quem precisa de
dignidade? Eu podia muito bem continuar sangrando num pano
dobrado.

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