National Geographic - Portugal - Edição 218 (2019-05)

(Antfer) #1

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la vez em que David Bloemker deslocou o ombro.
A temporada terminara no Alasca e ele andava
pelo Montana, apagando um fogo na Floresta Na-
cional de Kootenai.
“Então o vento mudou por completo e havia
um tronco que eu não vira, num sítio mau”, con-
ta David, de 45 anos, bombeiro pára-quedista há
duas décadas. “Abri o pára-quedas, mas aterrei
depressa demais e bati com força. O meu dedo do
pé ficou preso num tufo de erva. Esmaguei o om-
bro e rebentei o lábio. Tive de caminhar até uma
clareira onde o helicóptero conseguisse aterrar, a
alguns quilómetros.” Em silêncio, os homens ace-
naram com a cabeça, em sinal de assentimento:
a maioria já ouvira esta história. As histórias são
mais do que mero entretenimento. Constituem
uma forma de os bombeiros pára-quedistas se en-
sinarem uns aos outros.
As lições do mundo real sobre o combate a fo-
gos imprevisíveis em regiões bravias isoladas são
demasiado numerosas para caberem em dois ou
três anos de formação. Mudanças estranhas do
vento, brasas de fogos antigos que sobrevivem ao
Inverno para se reacenderem na Primavera, ava-
rias dos pára-quedas, avarias nos pára-quedas de
recurso, acidentes com as motosserras, colegas
que não regressaram a casa depois do seu último
destacamento – estas e centenas de outras, são
contadas ao longo de extensas carreiras e trans-
mitidas aos mais novos por bombeiros exaustos
em redor de fogueiras como esta.

OS BOMBEIROS PÁRA-QUEDISTAS regressaram ao
Fogo 320 às sete da manhã, mas durante a noite o
vento voltou a mudar de direcção. O incêndio alar-
gou-se a 250 hectares. Agora, as chamas disparam
brasas a 50 metros, ou mais, de distância, pelos ares
ou para o outro lado do rio. Decide-se rapidamente
que a margem distante do rio é indefensável e, por
isso, os homens começam a abrir uma linha a sul,
para isolar o flanco esquerdo. Trabalham ardua-
mente horas a fio,.
No preciso momento em que estão quase a
restringir o flanco esquerdo do incêndio no rio,
o vento empurra o fogo para sul, para a margem
oposta e desprotegida, voltando a mudar, e so-
prando brasas para oeste, devolvendo-as ao outro
lado do rio, criando um novo “foco de incêndio”
atrás dos homens e que ameaça cercá-los.
Os bombeiros pára-quedistas precisam de
manter-se hipervigilantes face a estas mudanças,
explica Jeff McPhetridge. “Não é possível contro-
lar o vento. Podemos morrer.”

Quando chegam ao terreno, a meio da tarde, já o
fogo devasta 60 hectares e pedem imediatamente
reforços. Outra equipa de oito bombeiros pára-que-
distas é largada e, em conjunto, os 16 homens come-
çam a abrir uma linha ao longo do flanco esquerdo
do incêndio reacendido, utilizando o rio Iniakuk
para suster o flanco direito. No entanto, devido às
condições de secura e à abundância do musgo-das-
-renas quebradiço, não é possível dominar o bra-
seiro. Não vai ser possível extingui-lo sem grandes
quantidades de água. Os bombeiros pára-quedistas
solicitam a ajuda dos hidroaviões Fire Boss (aero-
naves utilizadas na pulverização de colheitas, equi-
padas com contentores de três mil litros) para
bombardearem as chamas. Fazem um voo rasante
sobre o fogo e largam as suas cargas de água. Depois
dão meia volta e regressam ao lago Iniakuk, desli-
zam sobre a água azul-turquesa a 130 quilómetros
por hora. Recolhem outra carga de três mil litros e
regressam para despejá-la sobre o incêndio.
Mesmo assim, as chamas persistem. O fogo arde
agora com uma temperatura tão alta que logo se
reacende, mesmo depois de encharcado em água.
Alimentado pelo vento, aumenta de intensidade,
avançando como lava fundida sobre a madei-
ra verde. É solicitada a intervenção de aviões de
combate a incêndios com maior poder de carga:
os CL-415, capazes de largar seis mil litros de cada
vez, juntamente com um helicóptero munido de
um enorme balde de água pendurado num cabo
comprido. Ao mesmo tempo que diversas aero-
naves sobrevoam o incêndio em sucessivas mis-
sões de bombardeamento de água, os homens no
terreno apressam-se a abrir uma linha de fogo,
defensável a norte, através da floresta – abaten-
do árvores a motosserra, derrubando o matagal
e extinguindo as chamas. Às 22 horas, sete horas
depois de serem largados pela segunda vez, con-
seguiram travar a frente norte do flanco esquerdo,
estancando-a num meandro do rio Iniakuk.
Por volta da meia-noite, os bombeiros pára-
-quedistas retiram-se para um acampamento
perto do incêndio. Trazem o rosto enegrecido
de cinza, os olhos vermelhos e o corpo exausto.
Comem rações de combate, bem como latas de
feijão, sardinhas enlatadas e toneladas de barras
energéticas. Mas a especialidade da noite é fiam-
bre enlatado, com cebolas frescas e pimentos fri-
tos em lume brando sobre carvão em brasa.
Os homens enxotam os mosquitos e contem-
plam a fogueira de olhos semicerrados. As roupas
estão rijas com o sal do suor, mas há sempre al-
guém disposto a contar uma história. Como aque-

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