A caça continua a ser uma forma de
suprir necessidades alimentares e a
caverna e o abrigo ainda são os espaços
para manifestações artísticas e mágicas.
São passagens para um mundo inferior
na interpretação de pré-historiadores
consagrados como Jean Clottes.
No meio de um veado representado
numa posição dinâmica, Maria de Jesus
Sanches foi surpreendida por aquilo que
localmente é designado por “unhadas
do diabo”, que lhe são anteriores no
tempo. São marcas que acabam por
cruzar o corpo do animal e cuja moti-
vação nos escapa. Os censos de sítios
semelhantes têm comprovado que estas
marcas se repetem nas bacias dos rios
Douro, Tejo e Guadiana. Teriam um
significado comunitário ou seriam uma
primitiva forma de escrita?
NÃO É, CONTUDO, POSSÍVEL FALAR
do Douro e das terras de Miranda
sem reflectir a presença do grande rio
ibérico. Nas enormes arribas de uma
natureza quase em bruto, as marcas do
passado longínquo irrompem por todo
o lado. Sobranceiro ao rio, está implan-
tado, numa fraga na aldeia de Picote,
um arqueiro com o seu arco retesado
que parece vigiar quem por ali passa.
Este lugar tem uma aura mágica pela
associação que a população local faz
à lenda de um cavaleiro cristão que,
perseguido pelos mouros, teria saltado
do território que hoje é Espanha sobre
o rio e aterrado na fraga do Puio, dei-
xando ali a sua marca. Pelo contexto
arqueológico associado à zona e por
aspectos estilísticos, é possível que
esta gravura seja datada do quarto
ou terceiro milénio antes de Cristo.
O homem empunhando um arco
poderá ter uma interpretação guerreira,
mas sabemos que os povos desta época
ainda estavam muito dependentes da
recolecção. O arqueiro será mais um
elemento do “universo cosmológico e
ontológico das populações que ali vive-
ram”,afirmaa investigadora.
Num lugar com uma paisagem deslumbrante, a figura
do arqueiro da fraga do Puio destaca-se com o equipa-
mento de luz rasante da arqueóloga Mónica Salgado (em
cima). Na página anterior, a investigadora Maria de Jesus
Sanches no interior do abrigo do Passadeiro em Palaçoulo.
Em baixo, a pala do abrigo da Solhapa na freguesia de
Duas Igrejas destaca-se no planalto mirandês.
COMPOSIÇÃO DE MARIA JOSÉ SANCHES (FLUP)