Folha de São Paulo - 13.03.2020

(ff) #1

aeee



  • Claudia Costin
    DiretoradoCentrodeExcelênciae
    Inovação em PolíticasEducacionais,
    da FGV. Escreve às sextas


opinião


A2 SEXTA-FEIRA,13DEMARÇODE 2020

UMJORNALASERVIÇO DO BRASIL


a


Publicado desde 1921–Propriedade da EmpresaFolha da Manhã S.A.

presidenteLuizFrias
diretorderedaçãoSérgio Dávila
superintendentesAntonio ManuelTeixeiraMendeseJudith Brito
conselho editorialRogério CezardeCerqueiraLeite,
Marcelo Coelho,Ana Estela de SousaPinto, Cláudia Collucci,
Hélio Schwartsman, Heloísa Helvécia, MônicaBergamo,
Patrícia Campos Mello,Suzana Singer,Vinicius Mota,
AntonioManuelTeixeiraMendes, LuizFriaseSérgio Dávila(secretário)
diretoria-executivaMarcelo Benez(comercial),Marcelo Machado
Gonçalves(financeiro)eEduardo Alcaro(planejamentoenovos negócios)

[email protected]

EDITORIAIS


Pauta-bomba


Inteligência judiciária


Otextoque eleva emR$ 20 bilhões
ao ano as despesas assistenciais do
governo,sem previsão orçamentá-
ria, serve comoexemplo dos riscos
deconferiraoCongresso,noatual
cenário, maiores poderes sobre a
gestão das finanças públicas.
Os parlamentares decidiram ale-
grementeampliaraclientela que
fazjus ao benefício de um salário
mínimo (R$ 1. 045 mensais)pagoa
idososedeficientesdebaixaren-
da,conhecidocomo BPC.
Para tanto, mudaram-seos parâ-
metros paraaconcessão do auxí-
lio,hojepagoapessoascujarenda
familiar percapitanão ultrapassa
25 %dosalário mínimo.
Deputadosesenadoresvotaram
por elevaresselimitea 50 %noano
passado, em proposta vetadapelo
presidenteJairBolsonaro—como
corretoargumentodeque não ha-
via indicação dosrecursos desti-
nadosacobriranovadespesa.Na
quarta-feira( 11 ), oscongressistas
derrubaramovetopresidencial.
Nãorestadúvida de queBolsona-
ro agedemodotemerário,quando
nãoantidemocrático, aofomentar
conflitoscomoLegislativo. Tam-
poucosepode negar que seria de-
sejávelampliarverbas paraasegu-
ridadesocial.Nadadissojustifica,
porém,airresponsabilidade orça-
mentária que, inevitavelmente,
prejudicatodaasociedade.
OOrçamentodeste 2020 estima
um déficit primário—istoé,recei-
tasinsuficientes paraacobertura
dosgastos, mesmo semconside-
rarosjuros da dívida— de R$ 124 , 1
bilhões. Ditodeoutramaneira, o
governoterá detomarempresta-
do essemontanteparapagar seus
compromissos mais básicos.
Criar nova despesa significa,pois,

elevarajádescomunal dívida pú-
blicabrasileira,amenos que se
retiremrecursos de outras áreas.
Desse debate espinhoso,oscon-
gressistasseesquivaram.
Noatualcontextodeturbulên-
cia provocada pelocoronavírus,
quereduz as perspectivas de cres-
cimentoeconômicoearrecada-
ção, nãoédescabidocogitar algum
abrandamentoorçamentário.Há
quefazê-lo de modo criterioso.
Existe certafolgaparaaeleva-
çãodegastossem descumprirote-
to inscritonaConstituição —nos
cálculos da Instituição Fiscal Inde-
pendente(IFI, vinculada ao Sena-
doFederal), essa margemseria de
cercadeR$ 26 bilhões nesteano.
Deve-se utilizar essa possibili-
dade ouapenasaceitar um déficit
maior decorrente de uma quedada
receita? Emcaso de mais dispên-
dio,asprioridades devemser asa-
úde pública, obras de infraestrutu-
ra ouaassistência social?
Sãoquestões cujasrespostasde-
pendemdaevoluçãodacrise, das
novasprojeções paraaarrecada-
çãoedoimpactoprevisto decada
despesa.Nãoédecisão que possa
sertomadaàbasededemagogia e
enfrentamento político.

Oavançodatecnologia no meio ju-
rídicobrasileiroprometedar raci-
onalidadeeeficiênciaaprocessos,
emgeral, morosos.Oprogresso
bem-vindo,porém, não deixa de
suscitar algumas preocupações.
Alei 11. 419 ,de 2016 ,estabeleceu
diretrizes paraainformatização
do processo judicial, incluindo a
comunicação eletrônicadedeci-
sõeseoutrosatos. Cortes superi-
oresedesegundainstânciaestão
àfrente—oSupremoTribunal Fe-
deral jáfazpartedeseus julgamen-
tospor meiodo plenário virtual.
Espera-se que,comaextensão
do procedimentoaoutros tribu-
naiseàprimeirainstância doJu-
diciário,celeridadeetransparên-
ciavenhamaser aregra.
Num passomaisousado,cortes e
escritóriosdeadvocaciatêmutili-
zadointeligênciaartificial(IA)pa-
ra otimizarotrabalho—como ao
agrupar petições iniciaisemcasos
semelhantes, parajulgamentoem
bloco, ou decidir, em açõestribu-
tárias que sobrecarregamoJudici-
ário,quais estão ou não de acordo

comasregrasprocessuais.
Conformeseaprofundaouso
datecnologia, questões pertinen-
tessurgem.NosEstados Unidos
se discute, porexemplo, oriscode
algoritmoshoje empregados para
aferirograudepericulosidade de
acusados—que levamemconta
dadoscomo local deresidência,
rendaehistóricofamiliar—esta-
remsujeitosaviesesraciais.
Outrocuidado,inerenteàati-
vidade judicial,édiferenciarca-
sosrepetitivosdecasos excepcio-
naisque demandamrevisãodeen-
tendimentos já estabelecidos. Ga-
rantir que as partesenvolvidaste-
nhamdomínio das novastecnolo-
giastambéméfundamental.
Por fim, nãocabetomarainfor-
matizaçãocomopanaceia, dado
que háfatoresestruturaisaatra-
vancarocustosoJudiciárionaci-
onal—quevãodoelevado déficit
de defensores públicosàjudicia-
lizaçãoexcessivapromovida pelo
próprio poderpúblicoeouso ain-
da incipientedemedidas alternati-
vasdesolução deconflitos.

Ao criargastosem lastro, Congressofoge de debate


relevantesobre comogerir oOrçamentonacrise


sãopauloRespondo hojeàprovoca-
çãodoleitor Claudio Rangel: “Come-
çoaacharcadavezmaisqueháum
dramáticoexagero nareação aoco-
ronavírus.Talvez dar ‘shutdown’no
mundocomo estamosfazendoacar-
rete muitomaisexternalidades (mor-
tes) do que se ‘deixássemosacoisa
rolar’. Numa visãoutilitarista, não se-
ria melhor assumirqueovíruséum
elementodeseleçãonatural elevar
avida(quase) normalmente? Have-
ria umcolapsomaior nos sistemas
de saúde por 1 , 2 , 3 meses,mas de-
poisvoltaria ao normaleorestodo
mundo seguiria funcionando”.
Eu penso que não.Mesmo na vi-
são utilitarista,éimportanteque
nos esforcemos parareduziroritmo
doscontágios.Oproblemadefun-
do aquiéque, nafase inicial da epi-
demia, nós lidamoscomuma fun-
çãoexponencial—algoqueaintu-
ição humanatemdificuldade em
processar.Sevocêlembrou da his-
tória do grão de trigoeotabuleiro
dexadrez popularizada por Malba
Tahan, acertou.
Atéatingiropontodeinflexão,epi-

demias progridem em ritmoavas-
salador.Umexemplocalculado por
GrantSanderson,docanal 3 Blue-
1 Brown, dá bemadimensão do pro-
blema. Sevocê tem 21 milinfectados
eaepidemia cresceaumataxa de
15 %aodia,haverá,dentrode 61 di-
as, 105. 873. 570 infectados.
Se, porém,você baixaroritmode
crescimento de 15 %para 5 %duran-
te esseperíodo“inflacionário”—o
que nãoéimpossívelcomaadoção
de medidas durasdeafastamento
social—,seutotaldepacientes ao
cabo de 61 dias despencarádemais
de 100 milhõespara 411. 876.
Obviamente, essa escala de dife-
rençafaztodaadiferençaparaum
sis temade saúde.Como,devido a
outraarmadilha matemática,ata-
xa de mortalidade dacovid- 19 va-
ria muitoem função da sobrecar-
gaaque os hospitais estão subme-
tidos, eu nãorecomendariaasolu-
çãodarwiniana.Detalhe, nãoésó
amortalidade dacovid- 19 que au-
mentaquandoosistema entraem
colapso,mas adetodas asdoenças.
[email protected]

brasíliaFoiprecisoqueovírus en-
trasse noPalácio do Planaltopara
queopresidentesuspendessesua
anticampanhadesaúde pública. Di-
as depoisdedizer queaproliferação
dacovid- 19 erafantasia,Jair Bolso-
naroapareceu de máscaranas redes
esugeriu adiar os protestosafavor
dogoverno marcados paradomingo.
Opresidenteconduziuopaís por
caminhos perigosos no iníciodase-
mana. Sustentouumdiscurso que
desdenhavados riscosesócorrigiu
arotadepois que um assessorrece-
beuresultado positivodetestepara
ovírus.Bolsonaropodeterevitado
prejuízosmaiores,mas jáfabricou
uma crisede liderançaeconfiança.
Enquantoomundo entravaem
parafuso diantedapandemiaeos
mercados derretiam, ele fracassou
em darodevidosenso de urgência
aocombate aovírus no Brasil. Sus-
tentou, aocontrário,queacovid- 19
não era“issotudo queagrande mí-
dia propaga”erepetia que “outras
gripes matarammais do que essa”.
Aatitude irresponsável podeter
desestimuladoaprevenção de mui-

ta gente.Governantes, afinal,têmin-
fluência sobreocomportamentode
seus apoiadores.Depois queDonald
Trump menosprezouacrise docoro-
navírus,uma pesquisaReuters/Ipsos
mostrou queaproporçãodedemo-
cratasqueconsideravamacovid- 19
uma ameaçaera odobrodopercen-
tual registrado entrerepublicanos.
Nogoverno brasileiro,anegligên-
cia se alastrou.OsecretáriodeCo-
municaçãoexibiusintomas da do-
ençaefezpiada quandoanotícia
foidivulgada. Expôsoprópriopre-
sidentedaRepúblicaaoriscoantes
dereceberodiagnósticopositivo.
Nessetempo,faltaram planoscon-
cretos parareagiràpandemia.
Bolsonaroexpôs mais uma gran-
de fragilidade diantedeumepisó-
dio queexigia uma liderançafir-
me.Opresidentesemostrou inca-
paz decomandarrespostascéleres
aumproblema claramentegrave.
Acostumadoaenfrentar inimigos
imaginários,Bolsonarofraquejou di-
antedeuma crisereal. Onovovexa-
me deve alimentar ainda mais des-
confianças emrelação aogoverno.

riodejaneiroComofazháanos,
Woody Allencontinuatocandosua
clarineta às segundas-feiras no Ca-
fé Carlyle, emNovaYork.Durante
ahoraemeiaemque se apresenta,
acompanhado porjazzistas tradi-
cionais,écomo se aquela música
—temas de quasecemanos,como
“Rosetta”, “HeebieJeebies”,“Potato
HeadBlues”—olevasseaumaNo-
vaOrleans quetalveznuncatenha
passado de lenda,melhor quesua
ásperarealidade de hoje.Opróprio
Carlyle Hotel, em cujotérreoficaa
boate,também é, desde 1930 ,um
endereçomágico. Onde maisum
presidentedosEUA,JohnKenne-
dy,poderiareceber às escondidas
amulher maisfamosa do mundo,
Marilyn Monroe?
OCarlyle deveserdospoucoslu-
garesemqueWoody Allen estáasal-
vodeRonanFarrow,seu filhocom
MiaFarroweque não descansaráen-
quantonão acabardedestruí-lo.O
motivoéaacusação,nuncaprova-
da, de queWoody abusou da irmã
dele,Dylan, filha adotivadocine-

asta.Ao saberque Allenestavapa-
ra publicar um livrodememórias,
“A proposofNothing” (a propósito
de nada), pela Hachette,mesmo gru-
poeditorial que acabaradelançaro
seu própriolivro, “Operação Abafa -
Predadores SexuaiseaIndústri ado
Silêncio”, Farrowincitou umarebe-
lião dentrodaeditoraecerca de 50
funcionários destaintimaram seus
patrõesacancelarolivrodeWoody.
Surpreendentemente,foioque
aHachette feznasextaúltima( 6 ).
Adecisão devergar-seapressões e
negarvozaquem deveriatertanto
direitodeseexpressar quantoseu
inimigomancha os 194 anos deexis-
tência da Hachette.
Omundo estásefechando paraWo-
odyAllen.Nãosei se ele ainda pode
andar pelas ruas de sua amadaNova
Yo rk sem ser ofendido porativistas.
Restava-lheaEuropa. Agora, uma ins-
tituição francesa lhefecha as portas.
SófaltaRonanFarrowir paraa
portadoCaféCarlyleafimdeim-
pedirWoody detocar. Mas deixe-o
tentar—oCarlyle saberá oquefazer.

Covid- 19 ,asolução darwiniana


Crisereal, liderançaimaginária


Ocercose fecha



  • Hélio Schwartsman


  • BrunoBoghossian




  • RuyCastro




Uma das mais importantes po-
etas em língua alemã do século
20 ,aaustríacaIngeborgBach-
man,foitestemunhadainva-
são nazistaasua cidade quan-
do tinha apenas 11 anos.Não
por acaso,passouavidate-
mendooretorno de ideias as-
sociadas aofascismo,que jul-
gava estarem presentes na so-
ciedade,mesmo quedeforma
mascarada.
Em 1953 ,publicouummagní-
ficopoemacomotítulo“Tem-
po Adiado”.Naboa tradução
de Claudia Cavalcanti, alerta-
va:“Vêmaídias piores/Otem-
po adiadoaténovaordem sur-
ge no horizonte”.
Aforça dessesversosnos re-
mete, semdúvida, ao que vive-
moshojenomundo.Sim,vive-
mostempos de grandesavan-
çoseminclusão de crianças e
jovens na escola, deredução de
violênciacausada porguerras
ecrimes, de queda de mortali-
dadeinfantilematernaedede-
mocraciassólidas em boa par-
te do mundo.Mas apercepção
popular nãoéessa e, embora
apobrezavenhadiminuindo,
adesigualdadesocialeosen-
timentodeexclusão sófazem
aumentar,oque não prenun-
ciatempos tranquilos.
OcientistapolíticoinglêsDa-
vidRuncimancomentou, em li-
vrorecente,acuriosa situação
em que vivemos no planeta. Se-
gundo ele, emboraademocra-
cia se mostreconsolidadaem
paísesdesenvolvidosegolpes
militares sejamimprováveis,
há um descontentamentona
sociedadefrenteàfaltadere-
presentatividade ou de per-
tencimentoquecaminha jun-
tocomasconsequências do
que seconvencionou chamar
deRevolução 4. 0.
Os órfãos do nacionalismo e
de princípios unificadores tí-
picos de épocasdeguerracla-
mamtambémcontra“burocra-
cias transnacionais”epolíticas
ambientaisquedestroemem-
pregoserenda, criando as ba-
ses paraaascensão degover-
nos populistas quecoloquem
as instituições em risco, sem
precisar derrubar presidentes.
Apartirdeuma litaniacontra a
grande imprensa,oJudiciário e
oLegislativo—no que encon-
trameconas ruasreais ou vir-
tuais— promovemoque cha-
ma de “executiveaggrandize-
ment”(ouagigantamentodo
Executivo, em tradução livre).
Para isso,precisam mobilizar
umexércitodeseguidores—o
que nãoédifícil paraquem se
colocacomoavoz dosque não
se sentemrepresentados pela
ordem anterior—,aquem se
pede lealdade acrítica,oque
permiteevitarodifícil traba-
lhode implementarpolíticas
públicas ouatenderadireitos.
Nesse sentido,ademocracia se-
guefuncionando,mas correo
riscodeseapequenar.
Mas,como dizia Churchill,
ademocraciaéopior sistema
degoverno,foratodos os ou-
tros,eadestruição por desfi-
guraçãodesse tipo degoverno
não trazconsigoapreservação
desociedades prósperasehar-
mônicas.Por ora, ficaotempo
suspenso, ou adiado.

Tempo


adiado


Claudio Mor

Informatização leva maisceleridadeaprocessos,


mas bom proveitodepende de alguns cuidados


Orçamento da União de 2020

Excluireceitasedespesas
financeiras, em R$ bi

Fonte:Leiorçamentária

ReceitasDespesas

1. 355 , 40

1. 479 , 50
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