O Estado de São Paulo (2020-05-16)

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A10 Política SÁBADO, 16 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


A demissão do ministro da
Saúde Nelson Teich gerou
críticas de governadores e de
políticos aliados do presiden-
te Jair Bolsonaro. Chefes do
Executivos estaduais afirma-
ram esperar que o terceiro ti-
tular da pasta durante a pan-
demia do novo coronavírus si-
ga recomendações dos cien-
tistas e autoridades sanitá-
rias. Líderes do Centrão, que
se tornaram aliados do Pla-
nalto em troca de cargos, tam-
bém reclamaram da troca. Al-
guns deles já colocam em
dúvida a manutenção do
apoio a Bolsonaro. O anteces-
sor de Teich, Luiz Henrique
Mandetta, declarou que Bra-
sil viveu “um mês perdido”
no combate à covid-19.
O governador de São Paulo
João Doria (PSDB) fez crítica
ao presidente durante coletiva
de imprensa. “Lamento que es-
sa troca tenha sido feita e espe-
ro que o sucessor do ministro
continue seguindo a orientação
da medicina e da saúde, e que
não incorra no grave erro de se-
guir orientações ideológicas
partidárias, pessoais ou familia-
res”, disse Doria. “Lamento a
perda do ministro Teich, como
lamentei aqui a perda também
do ministro Mandetta, que tam-
bém pagou com seu cargo por
defender o seu compromisso
com a ciência com a saúde e
com a vida dos brasileiros”, de-
clarou o tucano.
O governador do Rio Wilson
Wiltzel (PSC) se manifestou
em sua conta no Twitter. “Presi-
dente Bolsonaro, ninguém vai
conseguir fazer um trabalho sé-
rio com sua interferência nos
ministérios e na Polícia Fede-
ral. É por isso que governadores
e prefeitos precisam conduzir a
crise da pandemia e não o se-
nhor, presidente”, escreveu o
governador. Witzel havia se reu-
nido com Teich na semana pas-
sada, no Rio, quando o ministro
foi ao Estado para visitar unida-
des de Saúde dos âmbitos muni-
cipal, estadual e federal.
O governador do Espírito
Santo, Renato Casagrande
(PSB) cobrou autonomia do Mi-
nistério da Saúde no enfrenta-
mento à pandemia. “Ou o PR
(presidente da República) deixa o
ministério agir, segundo as
orientações da OMS, ou vamos
perder cada vez mais brasilei-
ros”, escreveu. Já o governador
da Bahia, Rui Costa (PT) decla-
rou ser “inaceitável” o País ter
dois ministros da Saúde demiti-


dos em plena pandemia.
Um dos líderes do Centrão, o
deputado Paulo Pereira da Silva
(SP) criticou o que chamou de
“impulsos” de Bolsonaro na
condução da crise. Represen-
tantes do grupo já afirmam, nos
bastidores, que será muito di-
fícil apoiar Bolsonaro em meio
à queda de popularidade.

Aliados. “Saiu quem não tinha
entrado. Nesta sexta, o minis-
tro da Saúde, Nelson Teich, pe-
diu exoneração do cargo, mas,
não sei se alguém percebeu, já
não fazia diferença”, disse Pauli-
nho da Força, como é conheci-
do o deputado. Após afirmar
que Teich era constantemente
desautorizado por Bolsonaro,
Paulinho partiu para o ataque
ao chefe do Executivo. “Duvido-
que alguém consiga fazer o pre-

sidente aprender com a ciência
e perceber que reduzir o isola-
mento social é colocar mais bra-
sileiros na fila de espera por
uma vaga na UTI. Vai ser difícil
encontrar um ministro que seja
capaz de lidar, ao mesmo tem-
po, com a crise sanitária e com
os impulsos de Jair Bolsonaro.”
A avaliação é compartilhada
por outros partidos que inte-
gram o Centrão. “Diante das im-
posições do presidente, só topa-
rá ser ministro da Saúde quem
não tiver compromisso com a
ciência e nem com a medicina.
O pedido de demissão do minis-
tro demonstrou que ele tem”,
afirmou o deputado Marcelo Ra-
mos (PL-AM). O bloco parla-
mentar vem negociando cargos
em troca de apoio ao governo.
Uma hora depois da demis-
são de Teich, levantamento da
empresa AP Exata mostrou que
a rejeição a Bolsonaro nas redes
sociais chegou a 65% – um au-
mento de 11 pontos em relação
ao período anterior a esse cená-
rio. O presidente vem perden-
do apoio nas mídias digitais des-
de o início do ano, mas enfren-
tou os piores momentos recen-
temente, com as saídas de Sér-
gio Moro, ex-titular da Justiça,
e de Luiz Henrique Mandetta,
que comandava o Ministério da
Saúde antes de Teich.

Antecessor. Mandetta classifi-
cou a nova baixa na pasta como

uma perda de tempo prejudi-
cial ao País durante a pandemia
de covid-19. “A única coisa que
sei é que foi um mês perdido,
jogado na lata do lixo”, disse ao
Estadão. A exemplo de Mandet-
ta, Teich deixou o governo após
confrontos com o presidente
Jair Bolsonaro sobre a melhor
estratégia de combate à pande-
mia do novo coronavírus.
Para o ex-ministro, que ocu-
pou o cargo de janeiro do ano
passado até abril deste ano, ain-
da não é possível fazer um prog-
nóstico sobre como ficará o
combate à doença, que matou
quase 14 mil pessoas no País até
agora. Quando Mandetta foi de-
mitido, o número de óbitos era
de 1.736.
“Não dá para falar nada. Não
sei quem vai ser o novo minis-
tro. O momento é de oração.
Gostaria de dizer para você que
estou rezando um terço agora”,
afirmou o ex-ministro.
Mais cedo, logo após a notícia
da demissão de Teich, Mandet-
ta foi ao Twitter desejar “força”
ao Sistema Único de Saúde
(SUS). Teich, que é médico on-
cologista, participou como con-
sultor da área de saúde da cam-
panha de Bolsonaro e foi indica-
do ao cargo por associações
médicas e pelo secretário de Co-
municação, Fábio Wajngarten.
/ BRUNO RIBEIRO, CAIO SARTORI,
VERA ROSA, MATEUS VARGAS e
VINÍCIUS VALFRÉ

Samuel Lima
ESPECIAL PARA O ESTADO


Em quase 17 meses de governo,
o presidente Jair Bolsonaro só
não registrou mais baixas em
seu Ministério do que a presi-
dente cassada Dilma Rousseff.
A petista fez 16 alterações nos
primeiros 16 meses e meio de
gestão, entre 2011 e 2012. Bolso-
naro já contabiliza nove exone-


rações. No mesmo período, Fer-
nando Henrique Cardoso reali-
zou três mudanças (sem contar
uma troca no Banco Central),
entre 1995 e 1996, enquanto
Luiz Inácio Lula da Silva alte-
rou nove vezes o seu quadro mi-
nisterial entre janeiro de 2003 e
15 de maio de 2004.
Considerando apenas demis-
sões por motivo de desempe-
nho e casos em que as autorida-
des deixaram o governo em ra-
zão de escândalos e atritos com
o presidente, o governo Dilma
também lidera, com 40 em cin-
co anos e oito meses na presi-
dência. FHC e Lula tiveram 27 e
26 baixas, respectivamente, ao
longo de oito anos. Bolsonaro

apresenta sete casos do gênero
até o momento.
Postagens enganosas que cir-
culam no Facebook afirmam
que o governo de Jair Bolsona-
ro/ realizou cinco mudanças
de ministros, enquanto Fer-
nando Henrique Cardoso teria
feito 70, Luiz Inácio Lula da Sil-
va, 74, e Dilma Rousseff, 89. Ne-
nhuma das informações está
correta, conforme apurou o Es-
tadão Verifica a partir da análi-
se de dados do Observatory of
Social and Political Elites of
Brazil, da Universidade Fede-
ral do Paraná (UFPR).
Desde que assumiu a Presi-
dência, Bolsonaro realizou 11
mudanças em seu quadro de mi-

nistros, e não cinco. A mais re-
cente foi o pedido de demissão
do ministro da Saúde, Nelson
Teich, em 15 de maio. Bolsona-
ro afirmou que o novo titular da
pasta terá de “falar sua língua”.

Critérios. Como o próprio títu-
lo indica, a matéria apresenta o
comparativo entre o número de
nomeações de ministros de
FHC, Lula e Dilma, e não de mu-
danças nos ministérios. Por es-
se critério, o governo Bolsona-
ro já acumula 32 nomeações,
sendo 30 titulares diferentes.
Além disso, o levantamento
envolve os quatro anos e meio
iniciais de mandato de Dilma
Rousseff e os cinco primeiros
anos de Fernando Henrique e
Lula na Presidência. Bolsonaro
está há menos de um ano e
meio no cargo.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


N


elson Teich não é mais ministro da
Saúde. Sua entrevista não deu pistas
claras sobre as razões que levaram o
governo a perder dois auxiliares em área
estratégica de políticas públicas em pouco
mais de um mês. A perda ocorre quando o

número de mortes causadas pelo coronaví-
rus está perto de ultrapassar 15 mil e o de
contaminados da mais grave pandemia ex-
perimentada pelo país – e talvez pela huma-
nidade – está quase superando 220 mil ca-
sos. O que levou dois colaboradores tidos
como competentes a abandonarem o barco
em tão curto espaço de tempo, e em meio a
um auge da crise?
A primeira resposta é conhecida: Bolsona-
ro em nenhum momento deu ouvidos aos
seus ministros sobre a necessidade de isola-
mento social como meio de impedir o colap-

so do sistema de saúde. Em alguns momen-
tos, foi mais longe e humilhou seus auxilia-
res em público. Nos últimos dias, contudo,
os indícios apontaram em outra direção:
sem que haja qualquer comprovação cien-
tífica de sua eficácia, o presidente pressio-
nou os ministros a adotarem o uso da cloro-
quina. Mandetta já tinha feito ressalvas a
isso em protocolo que irritou o presidente,
e Teich, ao ser supostamente forçado, não
aceitou manchar a sua carreira. O governo,
então, ficou acéfalo na área da saúde.
O foco são políticas públicas fundamen-

tais, que deveriam envolver decisões e pro-
cedimentos transparentes, em especial
diante da ameaça à vida das pessoas. Na au-
sência, não é de estranhar que em alguns
meios surjam perguntas duras: a quem inte-
ressa a adoção desse medicamento sem a
certificação devida? Que laboratórios pro-
duzem ou têm interesse na sua adoção? São
questões de evidente interesse público que
aguardam esclarecimento.

]
PROFESSOR DE CIÊNCIA POLÍTICA DA USP

l Repercussão

Chefes de Executivos estaduais criticam governo federal por segunda troca no ministério da Saúde; ‘foi um mês perdido’, diz Mandetta


Atual governo só não demitiu mais ministros que Dilma


Em atrito com
Carlos
Bolsonaro, se
tornou alvo da
ala ideológica,
ligada a Olavo
de Carvalho

Saiu em meio a
polêmicas – uma
delas foi o pedido
para que escolas
filmassem
alunos cantando
o Hino

Desentendeu-se
com Carlos
Bolsonaro e
teve seu nome
associado a
candidaturas
laranjas do PSL

● Em quase 17 meses de gestão, quem já deixou o
governo Bolsonaro

BAIXAS

FONTE: DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO INFOGRÁFICO/ESTADÃO

NOME

MINISTÉRIO

MINISTÉRIO

MINISTÉRIO

Ministros

19 / 8 / 13 /


DATA DE
SAÍDA

Ricardo Vélez
Rodríguez

Gustavo
Bebianno

General Santos
Cruz
SECRETARIA-GERAL
DA PRESIDÊNCIA

SECRETARIA
DE GOVERNO

EDUCAÇÃO

MOTIVO

Não conseguiu
montar sua
própria equipe
e vinha sendo
tutelado pela
ala militar do
governo

Acusou o
presidente Jair
Bolsonaro de
tentar interferir
politicamente
na Polícia
Federal

Sofreu processo
de “fritura” por
divergências na
condução da
crise causada
pela pandemia
do coronavírus

MOTIVO

Sofreu
desgaste após
‘Estadão’
mostrar que,
sob sua gestão,
pasta contratou
empresa
suspeita

Além de brigar
com Paulo
Guedes, foi
acusado por
desafetos de
beneficiar
governadores de
Região Nordeste

Próximo de
Santos Cruz,
general foi a
segunda troca na
Secretaria-Geral
em menos de 6
meses de
governo

MOTIVO

NOME

DATA DE
SAÍDA

JUN
2019

ABR
2019

FEV
2019

Gustavo
Canuto

6 /


DESENVOLVIMENTO
REGIONAL

FEV
2020

Osmar
Te r ra

13 /


CIDADANIA

FEV
2020

Floriano
Peixoto*
SECRETARIA-GERAL
DA PRESIDÊNCIA

20 /


JUN
2019

NOME

DATA DE
SAÍDA

Sérgio
Moro

24 /


JUSTIÇA E
SEGURANÇA PÚBLICA

ABR
2020

Nelson
Teich

15 /


MAI
2020

Luiz Henrique
Mandetta
SAÚDE SAÚDE

16 /


ABR
2020

*DEIXOU O CARGO, MAS ASSUMIU A PRESIDÊNCIA DOS CORREIOS

]
ANÁLISE: José Álvaro Moisés

Por que


abandonaram


o barco?


“Oremos. Força SUS.
Ciência. Paciência. Fé!”
Luiz Henrique Mandetta
EX-MINISTRO DA SAÚDE

“Presidente Bolsonaro,
ninguém vai conseguir
fazer um trabalho sério
com sua interferência
nos ministérios e na
Polícia Federal.”
Wilson Witzel
GOVERNADOR DO RIO

ELIANE CARVALHO GOVERNO RJ

Governadores cobram apoio à ciência


Desafeto. Governador Witzel: ‘Por isso que governadores e prefeitos precisam conduzir a crise’

DIDA SAMPAIO/ESTADAO

Lista. Mandetta foi um dos ministros demitidos por Bolsonaro

Bolsonaro promoveu 11


mudanças em quase 17


meses de governo, ante


16 alterações da petista


no mesmo período

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