O Estado de São Paulo (2020-05-16)

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A14 SÁBADO, 16 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Internacional


KIEV


Pelo menos cem bebês nascidos
de barriga de aluguel estão pre-
sos na Ucrânia. Segundo autori-
dades locais, os pais não podem
buscá-los em razão do fecha-
mento das fronteiras causado
pela pandemia de coronavírus.
“Mais de cem bebês estão es-
perando seus pais em vários
centros médicos da Ucrânia”,
afirmou Liudmyla Denysova,
comissária de direitos huma-
nos do Parlamento ucraniano,
citando estimativas de uma
clínica de Kiev especializada
em fertilização. “Se o confina-
mento for prolongado, outras
crianças nascerão e o número
total pode chegar a mil.”


Atualmente, esta clínica hos-
pedou em um hotel da capital 51
bebês de pais estrangeiros nas-
cidos desde o fechamento das
fronteiras ucranianas, em mar-
ço. Apenas 15 estão com os pais,
que puderam entrar no país an-
tes de o governo decretar a qua-
rentena no país.
“Lá está tudo bem. O lugar é
limpo. Existem câmeras que os
funcionários usam para se co-
municar com os pais e se comu-
nicar com os filhos”, disse Deny-
sova, que garantiu que cada be-
bê será entregue aos pais o mais
rápido possível.
Em razão da pandemia de co-
ronavírus, pais estrangeiros pre-
cisam de uma autorização espe-
cial para entrar na Ucrânia, emi-
tida pelo governo local a pedido
das chancelarias de seus países
de origem. No entanto, algu-
mas embaixadas ainda não se
manifestaram e a questão segue
sem solução.
A maioria dos pais é da Fran-
ça, segundo artigo recente do

jornal Le Monde, onde a barriga
de aluguel é proibida. A Ucrâ-
nia é um destino cada vez mais
frequente para pais que dese-
jam reprodução assistida, prin-
cipalmente em razão do preço
baixo da fertilização: 28 mil eu-
ros (cerca de R$ 175 mil). No
entanto, pela lei ucraniana, so-
mente casais comprovadamen-
te heterossexuais e inférteis po-
dem realizar o procedimento. /
AFP

Após lançar cloroquina como solução,


Trump deixa de promover o remédio


Bebês de barriga de aluguel ficam presos na Ucrânia


Beatriz Bulla
CORRESPONDENTE / WASHINGTON


Donald Trump abraçou a
ideia de que a cloroquina se-
ria a solução para a covid-19 e
salvaria a economia america-
na. Em 19 de março, contra-
riando médicos e especialis-
tas da Casa Branca, ele ven-
deu a esperança de cura. “Se
não sair como planejado, não
vai matar ninguém”, disse.
No entanto, depois que a Fox
News, começou a divulgar es-
tudos que atestavam a inefi-
cácia do medicamento, em 21
de abril, o presidente vem evi-
tando o assunto.
Até então, a Fox News, emis-
sora favorita dos conservado-
res americanos, vinha dando
pouca importância aos estu-
dos que já questionavam a dro-
ga. O fato de a Fox ter abando-
nado a cloroquina era um sinal
de que Trump também havia
desistido da ideia. “Temos mui-
tos bons resultados e temos al-
guns resultados que talvez não
sejam tão bons”, respondeu
Trump, dois dias depois, em 23
de abril, quando questionado
sobre porque parou de defen-
der o uso do medicamento.
O silêncio coincide com a pu-
blicação de estudos científicos
que questionam a eficácia da
cloroquina no tratamento do
coronavírus ou apontam efei-
tos colaterais indesejados. O
presidente também foi pressio-
nado pelas acusações de Rick
Bright, médico que liderava a
agência dos EUA envolvida no
desenvolvimento da vacina,
que foi afastado após exigir
comprovação técnica para ado-
ção do remédio.
O site do jornal Politico fez
uma revisão nas coletivas e da
cobertura do assunto e con-
cluiu, no dia 20 de abril, que


“Trump e a mídia conservado-
ra reduziram sutilmente a defe-
sa da cloroquina como cura pa-
ra o coronavírus”. No Washing-
ton Post, a mudança foi retrata-
da como “a ascensão e a queda
da obsessão de Trump com a
hidroxicloroquina”.
O desencontro entre Trump
e a ciência ficava evidente nas
coletivas na Casa Branca. An-
thony Fauci, médico da força-
tarefa criada pelo governo para
conter o vírus, era frequente-
mente questionado sobre a efi-
cácia da droga minutos depois
de Trump promover o medica-
mento. Com o presidente ao la-
do, Fauci se limitava a dizer
que os testes eram, no máxi-
mo, “sugestivos”, mas que ain-
da precisavam de confirma-
ção.
A prescrição de cloroquina
nos EUA cresceu mais de 46 ve-
zes depois de Trump defender
a droga na TV, em março, se-
gundo o New York Times. Duas
pessoas morreram após se au-
tomedicarem com derivados
do remédio. “A cloroquina po-
de fazer mal a pacientes que já
estão em posição vulnerável.
Mesmo os mais doentes têm
muito a perder com mau uso
do medicamento”, disse Lucia-
na Borio, ex-diretora do Conse-
lho de Segurança Nacional e
ex-cientista-chefe da FDA,
agência reguladora de drogas e
alimentos nos EUA.
Quando ainda promovia a
droga, a Fox levava ao ar histó-
rias de pacientes convictos de
que a droga tinha sido a razão
de sua recuperação. Os comen-
taristas da emissora costuma-
vam apontar os “milagres” do
remédio, que já vinha sendo cri-
ticado publicamente.
A realidade bateu à porta no
dia 21 de abril, quando a emisso-
ra divulgou o estudo mais re-
cente feito nos EUA, que mos-
trava que a droga não tinha be-
nefícios no tratamento da co-
vid-19. Segundo a ONG Media
Matters, que monitora desin-
formação e acompanha a cober-
tura da Fox desde março, entre
11 e 15 de abril, o canal mencio-
nou o tratamento 87 vezes. No
período seguinte, entre 16 e 20
de abril, o número de menções
caiu para 20.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


O MEDICAMENTO


PREFERIDO PELO


CHAVISMO


Regime venezuelano ameaça interrogar cientistas


críticos ao uso da cloroquina contra a covid-


SERGEI SUPINSKY/AFP

Presidente fazia propaganda do medicamento, mas abandonou a defesa da droga no momento em que a Fox News, emissora de TV


preferida dos conservadores americanos, começou a divulgar estudos que indicam a ineficácia da substância no tratamento da covid-


Hospedagem. Enfermeira alimenta recém-nascido que foi enviado para hotel em Kiev

lContraindicação


lPreço

¤ 28 mil
custa o procedimento de
fertilização na Ucrânia –
preço baixo atrai pais de várias
partes do mundo, mas
principalmente da França, onde
a barriga de aluguel é proibida

O


s milagres da cloro-
quina não têm ideolo-
gia. Na quinta-feira,
presidente venezuelano, Ni-
colás Maduro, defendeu enfa-
ticamente o medicamento.
Em mensagem pelo Twitter,
ele elogiou funcionários das
áreas científica e de saúde pe-
la proteção do povo e por
avançarem na produção de
difosfato de cloroquina, dro-

ga “eficaz”, segundo ele, no tra-
tamento da covid-19.
A decisão de Maduro vai con-
tra recentes estudos científicos
que questionam a eficácia da
cloroquina e apontam para efei-
tos colaterais, como arritmia e
parada cardíaca. Para o presi-
dente venezuelano, no entan-
to, a ciência não seduz. Em mar-
ço, o líder chavista já havia reco-
mendado uma mistura de ervas

para combater o coronavírus.
Ontem, a Academia de Ciên-
cias Físicas, Matemáticas e Na-
turais da Venezuela entrou em
confronto direto com Maduro
ao publicar dados sobre a co-
vid-19 que põem em dúvida os
números oficiais divulgados
até agora. A reação do governo
veio em tom de ameaça.
“Li este artigo e li as referên-
cias. Isto é um convite para que
os órgãos de segurança do Esta-
do convoquem estas pessoas.
Estão causando alarme”, disse
Diosdado Cabello, presidente
da Assembleia Nacional Consti-
tuinte, durante seu programa
semanal. Cabello colocou em
dúvida o relatório, que tam-
bém alerta para um possível ce-
nário de emergência sanitária,
com um pico de até 4 mil novos
casos por dia de contágio em
junho.
Segundo o documento, a Ve-

nezuela tem um sub-registro
de casos sintomáticos que po-
deria ser de 65% a 95%. “Os
testes realizados até agora na
Venezuela são insuficientes
para estimar de forma ade-
quada o tamanho real da epi-
demia”, diz o estudo, que esti-
mou em 5.969 as testagens
realizadas no país – números
que atribui ao Escritório das
Nações Unidas para a Coor-
denação de Assuntos Huma-
nitários –, cerca de 213 por mi-
lhão de habitantes.
A subnotificação põe em
dúvida os dados oficiais, se-
gundo os quais 440 pessoas
foram infectadas pelo coro-
navírus na Venezuela e só 10
morreram. Esses números
permitiram ao governo de
Maduro mostrar uma ima-
gem de êxito na gestão da cri-
se sanitária provocada pela
pandemia. / EFE

Pandemia fechou as


fronteiras do país e cerca


de cem recém-nascidos


não puderam ser


buscados pelos pais


“A cloroquina pode fazer
mal a pacientes que já
estão em posição
vulnerável”
Luciana Borio
EX-CIENTISTA-CHEFE DA FDA,
AGÊNCIA REGULADORA DE DROGAS
E ALIMENTOS NOS EUA


TWITTER

Defesa. Publicação de Maduro no Twitter exaltando a produção e a eficácia do remédio no tratamento da covid-

Ciência e política
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