O Estado de São Paulo (2020-05-16)

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H2 Especial SÁBADO, 16 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


SONIA RACY


DIRETO DA FONTE


João Luiz Sampaio
ESPECIAL PARA O ESTADO


Na semana passada, o maestro
Abel Rocha, diretor da Sinfônica
de Santo André, participava de
uma reunião online com maes-
tros e gestores de teatros e or-
questras de todo o País. Na pau-
ta, o impacto da paralisação pro-
vocada pela pandemia na vida
musical e possíveis caminhos e
alternativas a serem persegui-
dos a partir de agora.
“Mas não é fácil. Para você ter
uma ideia, quando começamos
aquela reunião, a Funarte acaba-
ra de nomear um novo diretor.
E, quando terminamos, ele já
não estava mais no cargo”, ele
brinca, não sem um certo riso
nervoso. “O problema é que
uma das características desse
momento que estamos vivendo
é justamente o fato de o cenário
mudar a todo instante. Não há
como saber exatamente o que te-
remos pela frente. E, mesmo
quando voltarmos aos palcos,
precisaremos ter em mente sem-
pre a profilaxia necessária para
proteger músicos e público.”
Uma certeza, porém, é que a
atividade musical precisa seguir
viva de alguma forma. E foi com
isso em mente que o maestro e a
orquestra idealizaram um proje-
to que não apenas se propõe a
seguir dando espaço à nova cria-
ção – mas também a fazer isso
refletindo por meio da arte so-
bre o próprio contexto atual.
Microestreias da Quarentena
consiste na encomenda de no-
vas obras a oito compositores
brasileiros. A eles foi pedido
que, ao escrever suas obras, tives-
sem a pandemia e o isolamento
social como temas. Elas serão
apresentadas a partir das 14 ho-
ras de domingo na página do Fa-
cebook da Sinfônica de Santo An-
dré, a cada meia hora, precedi-
das de um pequeno vídeo em
que o autor fala de sua criação.


Depois, ficarão disponíveis em
uma playlist no canal da orques-
tra no YouTube.
Cada peça foi escrita para qua-
tro a seis músicos, que gravaram
individualmente suas partes em
casa. “Ao todo, cerca de 40 artis-
tas da orquestra participaram

do projeto, fora toda a equipe téc-
nica, que trabalhou com muito
cuidado na edição e na sincroni-
zação dos vídeos, o que não é
uma tarefa fácil Foi um enorme
desafio. Cada artista tem um
equipamento em casa, nem to-
do mundo tem impressora para

imprimir a partitura, então tem
que se equilibrar entre o celular,
o tablet, o computador. São coi-
sas nas quais a gente só pensa
quando se propõe a fazer. No fi-
nal das contas, precisamos mon-
tar oito linhas de produção, uma
para cada peça”, diz Rocha.

As dificuldades também têm a
ver com a própria interpretação.
Na escolha dos oito composito-
res – Alexandre Guerra, Alexan-
dre Lunsqui, Chico Mello, João
Cristal, Leonardo Martinelli,
Mauricio De Bonis, Neymar
Dias e João Guilherme Ripper –
a orquestra buscou montar um
panorama diversificado, con-
templando diferentes estéticas,
com partituras ousadas “Em al-
guns casos, como na peça do
Neymar Dias, o próprio compo-
sitor participou da interpreta-
ção e gravou uma base sobre a
qual os demais trabalharam. Em
outros, eu mesmo fui ao piano e
preparei orientações para os
músicos, ajudando a decifrar as
partituras e sugerindo cami-
nhos de execução.”
O compositor paulista Leonar-
do Martinelli conta que, ao escre-
ver Feras Engaioladas, tentou
criar uma metáfora musical para

o momento atual. “O título da
peça tem um duplo sentido com
o qual brinquei ao escrever. A fe-
ra é tanto o animal quanto aque-
le músico que é muito bom, que
toca muito, a fera do violino, a
fera do clarinete, e assim por
diante. Então pensei nessas fe-
ras enjauladas em casa. E na pe-
ça cada instrumento tem direito
a dar um grito, um grito que pre-
cisa ser colocado para fora.”
Em outros casos, o contexto
em que a peça seria interpretada
acabou influenciando a compo-
sição. O carioca João Guilherme
Ripper conta que incorporou a
impossibilidade dos músicos es-
tarem juntos para gravar na hora
de escrever Quarteto para um
Tempo Sem Fim. “Tomei alguns
cuidados. Ritmicamente, a obra
não possui uma complexidade
que tornaria essa questão mais
difícil do que já é”, ele explica.
Ripper, além de músico, tem
uma forte atuação como gestor
cultural. Atualmente, é diretor
da Sala Cecília Meireles, no Rio.
Como Rocha, ele também tem
se dedicado a discussões sobre o
cenário atual e seu impacto na
atividade musical. Para ele, a si-
tuação na qual estamos vivendo
vai necessariamente nos levar a
pensar em modos de fazer músi-
ca de formas diferentes. “Esta-
mos entrando em uma nova era,
na qual as plataformas digitais
terão uma função fundamental.
Mesmo quando reabrirmos os
teatros, teremos uma série de li-
mitações de público, plateias re-
duzidas. E pensar em possibilida-
des como essa idealizada pela
Orquestra Sinfônica de Santo
André será necessário.”

FÉ NÃO ENTRA EM QUARENTENA


CONCERTOS EM


Sinfônica de Santo André grava remotamente obras


pedidas a oito compositores sobre o momento atual


Diferentemente da maioria
das pessoas, que viu a vida
mudar consideravelmente
com a pandemia, a astróloga
Regina Helena Mariano
manteve a rotina de trabalho.
Aliás, desde que a quarente-
na começou em vários paí-
ses, ela – que cursou letras,
filosofia e mestrado em psico-
logia – teve aumento de 20%
na procura de seus serviços.
O fenômeno também aconte-
ce com diversos guias espiri-
tuais e religiosos que se man-
têm ativos durante o isola-
mento adaptando as consul-
tas, atendimentos e conver-
sas a distância. Na TV Apare-
cida, por exemplo, a transmis-
são da missa em domingo do
mês de abril, chegou a atingir
o segundo lugar na audiência
no Brasil.

“Eu sempre fiz a maioria dos
atendimentos online, por sky-

pe. Nesse aspecto não mu-
dou muito, mas os questiona-
mentos das pessoas, sim. Apa-
recem mais perguntas sobre
valores éticos, por exemplo,
‘o que esperar da situação do
Planeta’, ‘como lidar com is-
so’. Não são mais questiona-
mentos completamente indivi-
duais”, conta a astróloga.

Para Helena, que viveu na Suí-
ça por muitos anos e tem clien-
tes estrangeiros, há diferenças
entre as preocupações dos bra-
sileiros e dos europeus. “Da
Europa me perguntam mais
sobre a incerteza profissio-

nal”, explica. “Por aqui, uma
das maiores angústias é com a
política brasileira, ainda mais
do que com o coronavírus em
si”, afirma a astróloga.

O ator Odilon Wagner, um
dos fundadores do Grupo So-
corrista de Castelã que existe
há mais de 30 anos, em São
Paulo, tem mantido reuniões
com 130 trabalhadores do
centro espírita via Zoom,
com a mesma frequência de
sempre. “Passe a distância
não existe, mas vibração de
energia, sim”, assegura. O

centro está atualizando seu
site e pensa em realizar lives
com palestras para que os
frequentadores não fiquem
desamparados. A queixa de
solidão e falta do convívio
social, principalmente com
os companheiros kardecistas,
estão entre as maiores dificul-
dades relatadas.

Pai Rodney, antropólogo,
escritor e babalorixá, man-
tém sua mesma média: cinco
atendimentos por dia, quan-
do joga Búzios por chamada
de vídeo e faz ebós à distân-
cia. Ele conta ter ajuda da
família, também iniciada no
candomblé, para preparar
oferendas, que são transmiti-
das por vídeo.

Também tem indicado mui-
tos banhos de descarrego.
“Bastante gente nova tem me
procurado mas também clien-
tes antigos, que nas últimas
semanas, ficaram mais angus-
tiados com a situação. Entre-
tanto, clientes antigos, acostu-

mados com o rito presencial,
estão mais resistentes ao aten-
dimento online”, explica.

Para o babalorixá, umas das
maiores dificuldades de pes-
soas que o procuram têm si-
do lidar com a questão da
morte – com o agravante de
que muitos ritos foram res-
tringidos para evitar a disse-
minação do coronavírus.

“No candomblé, em que os
ritos fúnebres são muito es-
pecíficos, nós já estávamos
acostumados com as restri-
ções por conta dos preconcei-
tos. No momento, essas mu-
danças na maneira como nos
despedimos dos mortos têm
afetado mais aos católicos”,
diz Rodney./MARCELA PAES

ESPIRITUALIDADE

Caderno 2


CASA

Odilon Wagner

Colaboração
Cecília Ramos [email protected]
Marcela Paes [email protected]

lPara ajudar os pintores que
não tem acesso a internet, a
Futura Tintas criou o Futura
Voucher. Cada voucher com-
prado valerá R$100 e a Futura
dobrará o valor da doação
quando a obra for executada,
após a pandemia.

lA Mondelez International
destinou, globalmente, cerca
de R$ 100 milhões à iniciati-
vas de responsabilidade so-
cial. No Brasil, doou 220 tone-
ladas de produtos.

lA ARCAH e a Deca farão doa-
ção de 120 pias, 120 torneiras e
300 chuveiros para os centros
de acolhida de SP e para os res-
taurantes Bom Prato.

POLAROID
Nina Pandolfo estaria
abrindo uma exposição em
um Museu no Azerbaijão se
não fosse a pandemia. Com
o ‘tempo livre’ forçado em
mãos, a artista aproveita
para fazer algo que deseja
há tempos: estudo e
pesquisa de novos materiais.
“Além de estudar, estou
interagindo muito com meus
seguidores das redes
sociais. Este momento é um
reset, em que as pessoas
podem voltar a dar valor
para as coisas simples, aos
momentos alegres”.

RESPONSABILIDADE
SOCIAL

lSintonia

Blog: estadão.com.br/diretodafonte Facebook: facebook.com/SoniaRacyEstadao Instagram: @colunadiretodafonte

Salomônico?


Indagada a respeito do pedi-
do de demissão de Nelson
Teich do ministério da Saú-
de, fonte da coluna próxima
de Bolsonaro bem como do
médico, acredita que ambos
têm razão nas suas posições.

Bolsonaro, em insistir na clo-
roquina, e Teich de não se ar-
riscar a recomendá-la antes
de comprovação científica
real. “O presidente pensa em
quantas vidas o remédio pode-
ria salvar, mesmo com algu-
mas baixas. E Nelson, técni-
co, pensa em quantas vidas po-
deríamos perder com a admi-
nistração da cloroquina”.

Nem tanto


A mesma fonte – que não é da
área médica – defende que
perto da morte, é melhor ar-
riscar a cloroquina.

Repeteco


O Covid-19 Treatment Gui-
delines Panel – órgão criado
pelo governo Trump em de-
zembro – recomendou, dia 3
de maio, o “não uso da combi-
nação cloroquina/ azitromi-
cina”. Baseado em pesquisa
feita entre o Natal e 20 de
abril de 2020.

Se sentindo...


Nos últimos dias, era recorren-
te Nelson Teich buscar, no
seu campo de visão, Eduardo
Pazuello, o então número 2
na Saúde, como ‘suporte’ em
público. Pazuello chegou for-
te ao governo pelas mãos de
Augusto Heleno e, assim co-
mo Bolsonaro, foi da Aman.

...em casa


O general carioca, que costu-
ma chamar todos de ‘bro-
ther’, desejava, antes da saída
de Teich, voltar pra casa, em
Manaus, pós-pandemia.

ARQUIVO PESSOAL

DENISE ANDRADE/AE

Regina Helena Mariano

Pai Rodney

“Precisamos criar oito
linhas de produção, uma
para cada obra, envolvendo
músicos e técnicos que
trabalharam na edição”
Abel Rocha
MAESTRO

LUCIA PRADO

Distância.
Ripper, os
músicos da
orquestra e
Abel Rocha

JUAN GUERRA/ ESTADÃO

DENISE ANDRADE/ESTADÃO
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