O Estado de São Paulo (2020-05-16)

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A8 Política SÁBADO, 16 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Interino vai liberar


cloroquina a mando


de Bolsonaro


General Eduardo Pazuello deve apresentar critérios para uso


do remédio antes mesmo da escolha do novo titular da Saúde


l The Guardian
O jornal britânico ressaltou as
discordâncias de Teich e Bolsona-
ro e disse que as mortes no País
já superaram França e Alemanha.

l El País
Em sua versão Américas, o jornal
colocou a saída de Teich como
manchete e destacou no texto os
quase 14 mil mortos no País.

REPERCUSSÃO INTERNACIONAL


l Clarín
Diário argentino disse que Teich
avisou Bolsonaro sobre os efeitos
colaterais que a cloroquina por
causar em pacientes com covid.

Titular. Secretário executivo do Ministério da Saúde, Eduardo Pazuello, assume como interino com a saída de Nelson Teich, e deve liberar o uso da cloroquina, a pedido do presidente


Vinícius Valfré
Mateus Vargas / BRASÍLIA


Alçado a chefe interino do Mi-
nistério da Saúde, o secretá-
rio executivo da pasta, gene-
ral Eduardo Pazuello, deverá
liberar o uso da cloroquina
até mesmo em pacientes
com sintomas leves da covid-



  1. A medida é uma determi-
    nação do presidente Jair Bol-
    sonaro, que o oncologista
    Nelson Teich se recusou a
    cumprir e, diante da pressão,
    pediu demissão.
    Atualmente, a pasta orienta


profissionais do sistema públi-
co de saúde a prescrever a subs-
tância apenas em casos modera-
dos ou graves. A expectativa de
técnicos do ministério é a de
que os critérios sejam apresen-
tados já na próxima semana, an-
tes mesmo de Bolsonaro esco-
lher o substituto de Teich.
Segundo relatos de auxiliares
do agora ex-ministro, o próprio
Pazuello pressionava pela assi-
natura de um decreto amplian-
do o uso do medicamento, que
não tem a eficácia contra a doen-
ça comprovada cientificamente
(mais informações nesta página).

Diante do impasse, Teich che-
gou a propor a Bolsonaro um
mega estudo, de autoria da pró-
pria pasta, para definir novas di-
retrizes sobre a recomendação
da substância no combate ao co-
ronavírus. As análises serão rea-
lizadas, mas o presidente co-
brou urgência. Em videoconfe-
rência com empresários na
quinta-feira, chegou a dizer que
“exigia” a mudança do protoco-
lo do ministério sobre a droga.
“Estou exigindo a questão da
cloroquina agora também. Se o
Conselho Federal de Medicina
decidiu que pode usar cloroqui-

na desde os primeiros sinto-
mas, por que o governo federal,
via ministro da Saúde, vai dizer
que é só em caso grave? Eu sou
comandante, presidente da Re-
pública, para decidir, para che-
gar para qualquer ministro e fa-
lar o que está acontecendo. E a
regra é essa, o norte é esse”, dis-
se Bolsonaro na ocasião.
Teich, que é médico oncolo-
gista, vinha resistindo a mudar
com o argumento de que a cloro-
quina ainda é uma “incerteza”.
Em mensagem no Twitter na
terça-feira, alertou para os efei-
tos colaterais. “Um alerta im-
portante: a cloroquina é um me-
dicamento com efeitos colate-
rais. Então, qualquer prescrição
deve ser feita com base em ava-
liação médica. O paciente deve
entender os riscos e assinar o
‘Termo de Consentimento’ an-
tes de iniciar o uso da cloroqui-
na”, escreveu Teich no Twitter.
O protocolo a ser avalizado
por Pazuello deverá ser basea-
do na resolução do CFM. Em
abril, a entidade liberou a aplica-
ção da substância em pacientes
com sintomas leves, mas ressal-
tou que a decisão foi tomada
“sem seguir a ciência”, apenas
para encerrar a polarização em
torno do medicamento.
Com a decisão, médicos estão
autorizados a prescrever o medi-

camento. No entanto, não há um
protocolo de distribuição do re-
médio para que pacientes pos-
sam ter acesso à droga no siste-
ma público. As diretrizes tam-
bém poderão especificar dosa-
gens a serem administradas.
Em nota divulgada na noite de
ontem, após a saída de Teich, o
ministério disse que está “finali-
zando as novas orientações”. “O
objetivo é iniciar o tratamento
antes do seu agravamento e ne-
cessidade de utilização de
UTI”, diz a pasta.
Hoje, o protocolo do Ministé-
rio da Saúde é mais cauteloso e

segue o que dizem sociedades
científicas. A droga pode causar
efeitos colaterais graves, como
parada cardíaca. Esse é um dos
motivos para a resistência de co-
munidades de saúde em reco-
mendar a cloroquina sem acom-
panhamento médico.

Ministro ‘tutelado’. A nomea-
ção de Pazuello como o número
2 do ministério foi vista como
uma espécie de “tutela” da ala
militar do governo na Saúde
após o antecessor, Luiz Henri-
que Mandetta, adotar uma pos-
tura independente do Palácio
do Planalto durante sua gestão.
Desde que assumiu o cargo,
Teich não conseguiu montar
sua própria equipe e viu a pasta
ser loteada pelos fardados. Na
última semana, ao menos dez
nomes ligados às Forças Arma-
das assumiram postos estratégi-
cos, como revelou o Estadão.
Técnicos do Ministério da
Saúde apostam em debandada
de profissionais do órgão. O cli-
ma de trabalho, afirmam, está
“insustentável” e há pressão
tanto de defensores do fim do
distanciamento social como de
quem pede maior rigidez do go-
verno para conter o avanço da
covid-19.
Procurado ontem, Pazuello
não se manifestou.

l La Nación
O periódico lembrou da entrevista
coletiva em que Teich foi avisado
pela imprensa do decreto de Bolso-
naro para afrouxar o isolamento.

l New York Times
O jornal dos EUA destacou que
a saída de Teich ocorreu menos
de um mês após ele assumir
por “choques com Bolsonaro”.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Giovana Girardi


Pivô da queda de Nelson Teich
do Ministério da Saúde, a hidro-
xicloroquina tem se revelado,
estudo após estudo, pouco ou
nada efetiva para tratar a covid-



  1. O presidente Jair Bolsonaro
    aumentou a pressão nos últi-
    mos dias para que o ministério
    mudasse o protocolo que reco-
    menda o uso da droga para to-
    dos os pacientes infectados.
    O remédio usado original-
    mente contra malária e lúpus


foi aplicado no começo da pan-
demia em poucos pacientes na
China com resultado promis-
sor, foi defendido por um con-
troverso cientista francês e in-
censado como solução contra o
novo coronavírus pelo presi-
dente americano Donald
Trump e por Bolsonaro.
Mas, quanto mais se aprofun-
dam os estudos, a droga tem se
mostrado não somente pouco
eficaz, mas também com riscos
a quem toma. Diante desses re-
sultados, Trump já mudou de
ideia, mas Bolsonaro ainda in-
siste no uso do medicamento.
Algumas das mais importan-
tes revistas médicas do mundo


  • New England Journal of Medici-
    ne (NEJM), o Journal of the Ame-
    rican Medical Association (Jama)
    e o British Medical Journal


(BMJ) – publicaram estudos
neste mês com resultados nada
promissores sobre a hidroxiclo-
roquina. São trabalhos submeti-
dos aos pares, o que aumenta
seu nível de credibilidade.
“Já é hora de mudar o discur-
so de ‘não temos evidências sufi-
cientes de que a cloroquina fun-
ciona e que precisamos de mais
estudos’. Já temos evidências
suficientes de que a hidroxiclo-
roquina não é eficaz no trata-
mento de covid-19 e apresenta
riscos cardíacos que não devem
ser negligenciados”, afirma Na-
talia Pasternak, pesquisadora
do Instituto de Ciências Bio-
médicas (ICB) da USP. Ela de-
fende o encerramento dos estu-
dos sobre a substância “para
dar espaço para outros medica-
mentos mais promissores”.

Anteontem, o BMJ divulgou
um trabalho de pesquisadores
chineses que avaliaram 150 pa-
cientes com quadros leve a mo-
derados de covid-19. “Os resul-
tados de nosso estudo não mos-
traram benefícios adicionais da
eliminação do vírus da adição
de hidroxicloroquina ao trata-
mento padrão. Eventos adver-
sos, particularmente eventos
gastrointestinais, foram relata-
dos com mais frequência em pa-
cientes que receberam a droga.
No geral, esses dados não apoi-
am a adição de hidroxicloroqui-
na ao tratamento de pacientes
com covid-19 persistente leve a
moderada”, escrevem os auto-
res liderados por Qing Xie, da
Escola de Medicina da Universi-
dade de Shanghai.
Um outro trabalho, também

relatado na última edição do
BMJ considerou o efeito da
doença em pacientes graves. O
estudo, conduzido em centros
de tratamento da doença na
França, avaliou 181 pacientes
com idades entre 18 e 80 anos,
com quadro de pneumonia e
que precisavam de oxigênio,
mas não de UTI. De acordo com
o resultado, a hidroxicloroqui-
na não foi capaz de reduzir as
admissões em UTI nem aumen-
tou a taxa de sobrevivência dos
pacientes tratados com ela, em
comparação com quem não foi
medicado com a droga.

Mortalidade. No dia 11, o Jama
divulgou provavelmente o
maior estudo até o momento in-
dicando que a hidroxicloroqui-
na não diminui a mortalidade

dos pacientes com covid-19.
Eles analisaram 1.438 pacientes
internados em 25 hospitais de
Nova York entre 15 e 28 de mar-
ço e como a doença evoluiu em
relação ao consumo de hidroxi-
cloroquina, de azitromicina
(um antibiótico), uma combina-
ção das duas drogas e a compara-
ção com nenhuma delas.
As taxas de mortalidade fo-
ram, respectivamente, de
19,9%, 10%, 25,7% e 12,7%. Mas,
de acordo com os cientistas,
quando feitos ajustes para equi-
librar a análise, considerando a
gravidade da doença em alguns
pacientes e outras comorbida-
des, foi possível concluir que a
mortalidade foi similar entre
quem tomou as drogas e quem
não as recebeu.
“Não temos elementos para
expandir o uso. Não temos ele-
mentos para qualquer uso, de
fato”, comenta Alexandre Biasi,
do Hospital do Coração.

lAviso

l BBC
O site britânico lembrou que o
então ministro Nelson Teich criti-
cou um decreto de reabertura as-
sinado por Jair Bolsonaro.


Governadores cobram apoio à ciência. Pág.10 }


GABRIELA BILO/ ESTADAO

Até agora, estudos mostram que medicamento é ineficaz


Artigos divulgados nas
mais respeitadas revistas


científicas apontam que


cloroquina não deve ser


usada para a covid-


“Um alerta importante: a
cloroquina é um
medicamento com efeitos
colaterais. Então, qualquer
prescrição deve ser feita
com base em avaliação
médica. O paciente deve
entender os riscos e
assinar o ‘Termo de
Consentimento’ antes de
iniciar o uso da
cloroquina”
Nelson Teich
EX-MINISTRO DA SAÚDE EM
POSTAGEM NO TWITTER FEITA NA
TERÇA-FEIRA, TRÊS DIAS ANTES
DE DEIXAR O GOVERNO
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