Sabor Club - Edição 41 (2020-06)

(Antfer) #1
Sabor. club [ ed. 41 ] | 71

O marido neles se realizava não só pela comida,
mas por entreter uma audiência absolutamente
disposta a se deixar envolver pela sua prosa
eloquente. Ela ganhava força na hora do cafezinho,
acompanhado dos quitutes que ele adorava.
Sequilhos, curau e paçoca eram os seus
preferidos. Mas ele não dispensava a goiabada
cascão, o sagu, a banana frita e o bolo de fubá. Sem
falar na rapadura que ele picava e punha no bolso
para ir mastigando durante o dia.
Ah, sim, não se pode deixar de citar os bolinhos
de chuva, que ficaram famosos pelas mãos da
Dona Benta que, no Sítio, recebia cartas do Brasil
inteiro, pedindo a receita. Era ela, diga-se, quem
recebia as cartas porque, na obra, é a detentora

do saber erudito, do conhecimento científico
e do poder matriarcal. Na verdade, ela é a antítese
da imagem da cozinheira, personificada na
Tia Nastácia.
Bem, sendo assim, porque o nosso grande
livro de receitas não tem o nome dela? Taila
Cerqueira, professora de História da Gastronomia,
na Universidade Anhembi Morumbi, lembra que,
na época em que a publicação surgiu, a imagem
da avó do Pedrinho e da Narizinho passava
toda a confiança que as receitas precisavam para
conquistar um espaço no cotidiano das casas,
reforçando o conceito de cozinha afetuosa.
Até o Dona Benta, a principal obra de culinária
no Brasil era o Cozinheiro Imperial (ou nova arte

do cozinheiro e do copeiro em todos os seus ramos),
o primeiro documento nesta área, lançado 100
anos antes, direcionado às casas com cozinheiros
que faziam jantares de gala. Convenhamos, uma
realidade bem diferente do que vivia (e vive) o país.
Com a sua comida infálivel do dia a dia, o
Dona Benta logo caiu, literalmente, na boca do
povo: “Muitas receitas que antes eram verdadeiros
tesouros guardados como segredos de família,
estavam no livro, com descrição detalhada para
qualquer dona de casa. Era uma enorme fonte de
saberes culinário, foi uma revolução na época.”
Nela, assumia também o papel de guia
para a dona de casa, sendo dado muitas vezes
como presente de casamento para a noiva, que

deveria aprender a cuidar seu novo lar. “Ensinava
disposição de mesa, cardápios para festas e até
xarope para os filhos”, conta a historiadora.
Ao longo dos anos, algumas alterações
foram necessárias para tornar a obra ainda mais
atemporal, para que ela combinasse com as famílias
de agora. Afinal, os lares mudaram e as pessoas que
cuidam dele também.
E, olha como o mundo dá voltas, Dona Benta


  • Comer Bem continua nas bancadas das cozinhas
    numa nova realidade em que tanta gente está
    precisando aprender ou reaprender a cozinhar.
    Especialmente coisa caseiras, na sua maioria
    descomplicadas, e sempre (sempre!) gostosas
    e confortáveis.


Dona Benta logo caiu na boca do povo: receitas que antes eram verdadeiros tesouros guardados


como segredos de família, estavam no livro, com descrição detalhada para qualquer dona de casa

Free download pdf