Adega - Edição 175 (2020-05)

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certificada. Outros, todavia, apesar de reconhe-
cerem esse importante passo para o setor, ques-
tionaram alguns dos parâmetros. Outros ainda
simplesmente disseram que o vinho natural é
impossível de certificar.
ADEGA então resolveu propor a questão a vi-
nhateiros brasileiros que se consideram produtores
de vinhos naturais. Não imaginávamos que o tema
fosse repercutir tanto entre os envolvidos, gerando
ótimas discussões. “Joguei suas questões no grupo
que temos de produtores ‘naturebas’ e isso gerou
um excelente debate”, conta Helio Luiz Marchio-
ro, da Casa Ágora, de Pinto Bandeira. Segundo ele,
“apesar das fragilidades ou a falta de clareza do pro-
cesso [na França], dá-se um rumo adequado ao re-
conhecimento e diferenciação dos vinhos naturais”.
Se essa certificação fosse no Brasil, Marchio-
ro diz que seus vinhos se enquadrariam no que se
considera um “vin méthode nature”. Para ele, os
parâmetros estabelecidos atendem o que ele par-
ticularmente imagina de um vinho natural, com
“uvas orgânicas, locais, com leveduras indígenas,
sem intervenções de insumos enológicos e tecno-
logias físicas que interfiram nos vinhos e especial-

mente na fermentação, uso de sulfitos após a fer-
mentação em limites pré-estabelecidos, colheita
manual, rótulos diferenciados, uso de selo de iden-
tificação, apresentação obrigatória do certificado”.

Os dilemas
No entanto, ele afirma que um ponto poderia
ser ainda mais restrito: “Os índices de SO2 esta-
belecidos como teto podem ser menores. Lá se
estabeleceu como 30 mg/litro, poderíamos traba-
lhar tranquilamente com limite de 20 mg/litro”.
Mas, em relação à certificação orgânica, acredita
que talvez não seja o melhor caminho em alguns
lugares, especialmente no Brasil. “Faço meus vi-
nhos em parceria com outro vinhateiro orgânico,
então só produzo vinho orgânico. Mas, se você
exigir que todo vinho natural seja de uva orgâ-
nica, 90% dos vinhateiros brasileiros que hoje
produzem vinhos naturais deixariam de ser. Eles
produzem com o mínimo de intervenção, isso
sim”. Segundo, Marchioro, no Brasil, poderia ha-
ver uma certificação de “vinho natural com selo
de orgânico”. “Você pode produzir vinho natural
com menos intervenção, mesmo com uva não
orgânica”, diz.
Eduardo Zenker, da Arte da Vinha, tem opi-
nião semelhante. “Aqui na Serra Gaúcha acredito
que teremos dificuldades para seguir essas regras
de cultivo (para não dizer ser impossível). Falo
por experiência própria, pois perdi meu vinhedo
de Pinot Noir e Chardonnay levado em orgânico
certificado pela Rede Ecovida. O cultivo orgânico
das viníferas que nos interessam passa a não ser au-
tossustentável economicamente e aí a agricultura
orgânica perde o sentido. Também não temos o
interesse em cultivar variedades americanas que
são mais resistentes ao cultivo orgânico”, explica,
acrescentando ainda que tem feito testes com va-
riedades híbridas e outras “clássicas”, mas há um
dilema em relação ao custo da implantação de vi-
nhedos com cobertura (“o valor dobra”).
“Penso que, no Brasil, deveríamos ter a no-
menclatura ‘vinho natural brasileiro’ para vinifi-
cações sem adjuntos enológicos, mas com uvas
convencionais; e ‘vinho natural’ para vinificações
sem adjuntos enológicos, mas com uvas orgânicas
certificadas – aqui vale lembrar que, ao meu ver,
somente uvas certificadas ganhariam o nome, che-

Segundo


as regras


francesas, vinhos


não deveriam


passar por


procedimentos


físicos de muita


intervenção, o


que incluiria


até mesmo a


filtragem

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