O Estado de São Paulo (2020-05-18)

(Antfer) #1

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A6 Política SEGUNDA-FEIRA, 18 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


l]
JOSÉ
CARLOS DIAS

CARLOS


PEREIRA


l]
CLAUDIA
COSTIN

l]
JOSÉ
GREGORI

l]
LUIZ CARLOS
BRESSER-PEREIRA

Q


uando o modo sobrevivên-
cia em um videogame é ati-
vado, não é permitido pau-
sas ao jogador, que deve continuar
jogando em uma sessão ininterrup-
ta tentando não morrer. Do contrá-
rio, “the game is over”!
Nessa modalidade, o jogo apre-
senta obstáculos cada vez mais difí-
ceis. Ao tempo em que coloca o jo-
gador contra a parede, o modo so-
brevivência funciona como um bô-
nus, dando a ele uma última oportu-
nidade de lambuja para que possa
se redimir e aprender com erros an-
tes cometidos e oferecer melhores

respostas aos problemas e desafios.
Indica, portanto, que nem tudo ainda
está perdido, mas as condições de so-
brevivência são precárias.
As recentes e radicais inflexões do
presidente Bolsonaro sugerem que
foi ativado o modo sobrevivência em
seu governo. Ora vejamos: até muito
pouco tempo atrás, Bolsonaro demo-
nizava o presidencialismo de coali-
zão argumentando que este era ba-
seado em um jogo sujo de “toma lá,
dá cá”.
Queria distância dos partidos po-
líticos e ignorava as lideranças do
Congresso Nacional, rotulando-as

de representantes da “velha política”
e preferindo constrangê-las por meio
de conexões diretas com a sociedade.
Ao invés de negociar, assumiu uma
postura de confronto polarizado
com todos aqueles que ofereceram
resistência às suas iniciativas.
Entretanto, de uma hora para outra
e contrariando tudo aquilo que havia
prometido em sua campanha e duran-
te quase 500 dias de seu mandato pre-

sidencial, se aproximou de alguns par-
tidos políticos na tentativa tardia de
montagem de uma coalizão com o
Centrão (bloco informal e heterogê-
neo de partidos ideologicamente
amorfos e não programáticos).
Governar por meio de coalizões ma-
joritárias e estáveis é condição sine
qua non em um ambiente institucio-

nal multipartidário, especialmente
hiperfragmentado como o brasileiro.
Presidentes minoritários tendem
a ser malsucedidos no Legislativo e a
enfrentar problemas crescentes de
governabilidade. Contudo, gover-
nar não é o único propósito de se
montar coalizões multipartidárias
e, em certas ocasiões, nem é o princi-
pal objetivo.
Coalizões também são fundamen-
tais para resguardar o presidente de
iniciativas que venham a fragilizá-lo.
Ou seja, funcionam como um escudo
protetor e, quando bem gerenciadas,
coalizões ajudam na própria sobrevi-
vência do governo.
Diante de fragilidades crescentes
enfrentadas pelo presidente Bolsona-
ro com a má gerência da pandemia,
com os escândalos das tentativas de
interferência na Polícia Federal, possi-
velmente para encobertar possíveis
malfeitos de seus filhos, e com a saída
de Sérgio Moro do governo, ameaças
de impeachment de Bolsonaro se tor-

naram cada vez mais críveis.
A coalizão com o Centrão, por-
tanto, talvez tenha se tornado o “1-
up” do governo Bolsonaro. Ou seja,
aquela última chance ou “vida ex-
tra” que um jogador recebe quando
o modo sobrevivência é ativado.
Como se trata de uma coalizão que
gera apenas uma “maior minoria”,
não deve ser o bastante para pro-
porcionar governabilidade e apro-
vação de agendas ambiciosas.
Entretanto, pode ser suficiente
para proporcionar sobrevivência
ao governo, pois impeachments no
Brasil necessitam de quórum quali-
ficado de 342 votos e, portanto,
uma minoria de 172 deputados po-
de barrar o processo na Câmara
dos Deputados.
A vida extra dada a Bolsonaro pe-
lo Centrão não significa a elimina-
ção completa das dificuldades por
ele enfrentadas, mas apenas uma
promessa de que, por enquanto, o
jogo não acabou.

l]
PAULO
VANNUCHI

l]
PAULO SÉRGIO
PINHEIRO

Ao semear a insegurança
e a desinformação, e ao
colocar em risco a vida dos
brasileiros, seu afastamento
do cargo se impõe

E-MAIL: [email protected]
CARLOS PEREIRA ESCREVE
QUINZENALMENTE ÀS SEGUNDAS-FEIRAS

O


momento é grave. É hora de
dar um basta ao desgover-
no. Hoje é preciso falar ao
conjunto dos brasileiros, nossa po-
pulação multiétnica, multirracial,
com diversidade cultural e distintas
visões políticas, 210 milhões de cida-
dãs e cidadãos. Hora de falar ao po-
vo, detentor e destinatário dos ru-
mos do país.
Assistimos em 2019 ao desman-
che de instituições e estruturas de
Estado, em nome de alinhamentos
ideológicos e guerras culturais. A
partir de fevereiro último, com a
chegada da pandemia em nosso ter-
ritório, ao grande desmanche soma-

ram-se ataques à ordem constitucio-
nal, à democracia, ao Estado de Direi-
to. Não podem ser banalizados, muito
menos, naturalizados.
Como alertaram os cientistas, a co-
vid-19 encontraria no Brasil campo
fértil para o seu alastramento: um
país-continente com enorme desigual-
dade social e concentração de renda,
sistema de saúde fragilizado por cor-
tes e tetos orçamentários, saneamen-
to básico precário, milhões de brasilei-
ros vivendo em bairros, comunidades
e distritos sem infraestrutura, sucatea-
mento da educação pública, desempre-
go na casa das 13 milhões de pessoas e
uma economia estagnada. Acrescen-
te-se a esse quadro as características
próprias da atual pandemia – um vírus
com alta velocidade de transmissão e
sintomatologia grave, para o qual ain-
da não há remédio ou vacina eficazes.
Talvez imune ao vírus, mas com to-
da certeza imune ao sofrimento huma-
no, o presidente da República, Jair Bol-

sonaro, tem manifestado notória falta
de preocupação com os brasileiros,
com o risco das aglomerações que esti-
mula, com a volta prematura ao traba-
lho, com um sistema de saúde que co-
lapsa aos olhos de todos e até com o
número de óbitos pela covid-19, que
totalizam, hoje, muitos milhares de ca-
sos – sobre os quais, aliás, já se permi-
tiu fazer ironias grosseiras e cruéis.
Mas a sanha do presidente não para
por aí. Enquanto o país vive um calvá-
rio, Jair Bolsonaro insufla crises entre
os Poderes. Baixa atos administrativos
para inibir investigações envolvendo a
sua família. Participa de manifesta-
ções pelo fechamento do Congresso e
do Supremo Tribunal Federal. Manipu-
la a opinião pública, e até as Forças Ar-
madas, propagando a ideia de um
apoio incondicional dos militares co-
mo blindagem para os seus desatinos.
Enfim, o presidente deixa de governar
para se dedicar à exibição diária de sua
triste figura, em pantomimas familia-

res e ensaios golpistas.
Preocupado com o amanhã e sob o
peso do luto, o Brasil precisa contar com
um governo que coordene esforços para
a superação da crise, começando por ou-
vir a voz que vem das casas, das pessoas
que sofrem, em todas as partes. Não há
como aceitar um governante que ouve
apenas radicais fanáticos, ressentidos e
manipuladores, obcecado que está em
exercer o poder de forma ilimitada, em
regime miliciano-militar que viola as re-
gras democráticas e até mesmo o senti-
do básico da decência.
Só resta sublinhar o que já ficou evi-
dente: Jair Bolsonaro perdeu todas as
condições para o exercício legítimo
da Presidência da República, por sua
incapacidade, vocação autoritária e
pela ameaça que representa à demo-
cracia. Ao semear a intranquilidade, a
insegurança, a desinformação e, so-
bretudo, ao colocar em risco a vida
dos brasileiros, seu afastamento do
cargo se impõe. A Comissão Arns de

Defesa dos Direitos Humanos en-
tende que as forças democráticas de-
vem buscar, com urgência, cami-
nhos para que isso se faça dentro do
Estado de Direito e em obediência à
Constituição.

]
JOSÉ CARLOS DIAS, PRESIDENTE DA CO-
MISSÃO ARNS DE DEFESA DOS DIREITOS
HUMANOS E EX-MINISTRO DA JUSTIÇA
(GOVERNO FHC)
CLAUDIA COSTIN, EX-MINISTRA DE ADMI-
NISTRAÇÃO E REFORMA (GOVERNO FHC),
JOSÉ GREGORI, EX-MINISTRO DA JUSTIÇA
(GOVERNO FHC)
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA, EX-MI-
NISTRO DA FAZENDA (GOVERNO SARNEY),
MINISTRO DA ADMINISTRAÇÃO E REFOR-
MA DO ESTADO E MINISTRO DA CIÊNCIA E
TECNOLOGIA (GOVERNOS FHC)
PAULO SÉRGIO PINHEIRO, EX-MINISTRO
DA SECRETARIA DE ESTADO DOS DIREI-
TOS HUMANOS (GOVERNO FHC),
PAULO VANNUCHI, EX-MINISTRO DE DI-
REITOS HUMANOS (GOVERNO LULA), TODOS
FUNDADORES E AQUI REPRESENTANTES
DA COMISSÃO ARNS, ASSINAM O ARTIGO
EM NOME DOS 22 MEMBROS DA COMISSÃO.

A ‘maior minoria’ proporcionada
pelo Centrão pode ser a ‘vida
extra’ do governo Bolsonaro

O presidente perdeu a condição de governar


Vinicius Neder / RIO
Vinícius Valfré / BRASÍLIA


O procurador-geral da Repú-
blica, Augusto Aras, vai anali-
sar a suspeita de vazamento
de informações de operação
da Polícia Federal ao senador
Flávio Bolsonaro (Republica-
nos-RJ), relatada pelo empre-
sário Paulo Marinho (PSDB-
RJ) ao jornal Folha de
S.Paulo. Suplente de Flávio,
Marinho disse ter ouvido do
senador que ele possuía infor-
mações sigilosas acerca de in-
vestigações envolvendo o ex-
assessor Fabrício Queiroz.
“O procurador-geral da Repú-
blica analisará o relato junto
com a equipe de procuradores
que atua em seu gabinete em ma-
téria penal”, informou, em nota,
a Procuradoria-Geral da Repú-
blica (PGR). O órgão não infor-
mou se abrirá um procedimento
para investigação. Após a publi-
cação da entrevista, Marinho
também recorreu às redes so-
ciais na manhã de ontem, unin-
do o slogan eleitoral de Jair Bol-
sonaro à frase pronunciada por
Sérgio Moro ao deixar o Ministé-
rio da Justiça: “Verdade acima
de tudo. Fazer a coisa certa aci-
ma de todos.”
À noite, a Polícia Federal divul-
gou nota na qual informa que “o
suposto vazamento de informa-
ções na operação Furna da Onça
foi regularmente investigado pe-
la PF através do Inquérito Poli-


cial n.º 01/2019, que encontra-se
relatado”. A nota acrescenta:
“Todas as notícias de eventual
desvio de conduta devem ser
apuradas e, nesse sentido, foi de-
terminada, na data de hoje, a ins-
tauração de novo procedimento
específico para a apuração dos
fatos apontados”.
Marinho, que é suplente do se-
nador Flávio, afirmou que o fi-
lho mais velho do presidente
Jair Bolsonaro lhe contou ter re-
cebido informações sigilosas da
Polícia Federal (PF) sobre a in-
vestigação que então envolvia
seu assessor Fabrício Queiroz.
Segundo o relato, um delegado
da PF avisou das investigações
pouco após o primeiro turno das
eleições gerais daquele ano. E te-
ria dito, ainda, que membros da
Superintendência da PF no Rio
adiariam a Operação Furna da
Onça para não prejudicar Jair
Bolsonaro na disputa contra Fer-
nando Haddad (PT). Em nota,
publicada ontem, Flávio Bolso-
naro negou a acusação
Ainda de acordo com o relato de
Marinho, o delegado da PF teria
orientado Flávio a exonerar Fa-
brício Queiroz de seu gabinete
na Assembleia Legislativa do
Rio. No dia 15 de outubro, foram
demitidos tanto Queiroz quan-
to a filha dele, Nathalia Queiroz,
lotada no gabinete de Jair Bolso-
naro na Câmara dos Deputados.
A Operação Furna da Onça foi
deflagrada em 8 de novembro de
2018, pouco mais de uma sema-
na após o segundo turno, do
qual Bolsonaro saiu vitorioso.
Toda a história do vazamento,
conforme as declarações do em-
presário, foi relatada pelo pró-
prio Flávio em reunião com ad-
vogados na casa de Paulo Mari-
nho. Na campanha presidencial,
o empresário era um dos apoia-
dores de Jair Bolsonaro. Ele ofe-

receu a casa para reuniões do en-
tão candidato com o grupo que o
auxiliou na disputa eleitoral.
A Operação Furna da Onça, a
cargo da força-tarefa da Lava Ja-
to do Rio, investigou a participa-
ção de deputados estaduais flu-
minenses em esquema de cor-
rupção que pagava propina men-
sal (mensalinho) durante o man-
dato 2011-14. De acordo com as
investigações, a propina resulta-
va do sobrepreço de contratos
estaduais e federais. Dez deputa-
dos tiveram a prisão decretada.
Flávio, que era deputado esta-
dual, ficou de fora da operação.
Fabrício Queiroz também
não estava entre os alvos, mas a
investigação acabou por detec-

tar movimentação financeira
atípica por parte dele. Um relató-
rio do então Conselho de Con-
trole de Atividades Financeiras
(Coaf), revelado pelo Estadão,
colocou Queiroz no noticiário
político nacional e gerou desgas-
tes para Flávio Bolsonaro.
Mais tarde, o Ministério Públi-
co do Rio continuou a apuração
originada na Furna da Onça com
base na suspeita de que o dinhei-
ro movimentado por Queiroz
fosse, na verdade, resultado da
apropriação de salários de fun-
cionários do gabinete de Flávio.
O dinheiro depois teria sido la-
vado com a compra de imóveis
que fazem parte do patrimônio
do filho do presidente. Em razão

disso, o Ministério Público obte-
ve na Justiça a quebra dos sigilos
bancário e fiscal do senador, de
Queiroz, da mulher do senador,
Fernanda Bolsonaro.

Invenção. O senador classifi-
cou a acusação de “invenção” e
afirmou que o empresário tem
interesse em prejudicá-lo, já
que é suplente de Flávio Bolso-
naro no Senado. Em nota publi-
cada em suas redes sociais, Flá-
vio Bolsonaro diz que “o deses-
pero de Paulo Marinho causa
um pouco de pena” e que o em-
presário “preferiu virar as cos-
tas a quem lhe estendeu a mão”,
ao trocar a “família Bolsonaro
por Doria e Witzel”, e “parece

ter sido tomado pela ambição”.
Em 2018, Marinho, que era
amigo do ex-ministro da Justiça
Gustavo Bebianno, acabou esco-
lhido como suplente de Flávio
Bolsonaro. O empresário de-
pois se afastou da família Bolso-
naro e acabou nomeado presi-
dente regional do PSDB no Rio,
em uma articulação do governa-
dor de São Paulo, João Doria
(PSDB). Quando Bebianno foi
exonerado do ministério, em
2019, e rompeu com o presiden-
te, filiou-se ao PSDB, despontan-
do como pré-candidato à Prefei-
tura do Rio nas eleições deste
ano. Com o falecimento de Be-
bianno, em março, Doria indi-
cou Marinho como candidato.

Modo sobrevivência ativado


lRede social


MPF vai apurar denúncia contra Flávio


Procurador-geral afirma que analisará o relato do empresário sobre vazamento de operação envolvendo Queiroz; PF abre inquérito


ARTIGO


“Verdade acima
de tudo. Fazer a
coisa certa acima
de todos.”
Paulo Marinho
SUPLENTE DE SENADOR E EMPRESÁRIO


WERTHER SANTANA/ESTADÃO - 27/6/

Ajuda. Paulo Marinho, que apoiou Bolsonaro na campanha, declarou que filho dele recebeu informações sigilosas da PF
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