O Estado de São Paulo (2020-05-18)

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O ESTADO DE S. PAULO SEGUNDA-FEIRA, 18 DE MAIO DE 2020 Política A


Paula Reverbel

A


crise do novo corona-
vírus, que piorou a gra-
ve situação financeira
dos times de futebol, levou
ao alinhamento dos dois prin-
cipais projetos que tramitam
no Congresso sobre a ativida-
de esportiva e os clubes.
A convergência se dá en-
tre o deputado carioca Pe-
dro Paulo – que propôs um

projeto em nome do presiden-
te da Câmara, Rodrigo Maia – e
o senador Rodrigo Pacheco.
Ambos são autores de propos-
tas antagônicas sobre como sal-
var o esporte. Agora, porém,
eles discutem a possibilidade
de um relatar o projeto do ou-
tro.
A iniciativa de Pedro Paulo foi
aprovada pela Câmara em no-
vembro e enviada ao Senado, on-
de tramita a proposta de Pache-

co. O presidente do Senado, Da-
vi Alcolumbre, sinalizou aos en-
volvidos que, como os dois parla-
mentares em questão são do seu
partido, o DEM, o tema só será
pautado depois de haver enten-
dimento entre eles. Os detalhes
vêm sendo acertados nos últi-
mos dias. Em conversa longa na
quarta-feira passada, Pedro Pau-
lo e Pacheco discutiram como se
daria a fusão das duas propostas
em um eventual relatório no Se-
nado.
“Existe sim convergência nos
dois projetos”, explicou Pache-
co ao Estadão. “Eles propõem a
modernização do futebol e a bus-
ca do investidor. No entanto, tra-
tam de maneiras distintas as
questões. E possível que sejam
apensados para que o debate se-
ja em conjunto”, acrescentou.
Questionado pelo Estadão se
Pacheco pode relatar o seu pro-
jeto no Senado, Pedro Paulo res-
pondeu: “Isso que a gente discu-
tiu, (a possibilidade) de ele cons-

truir uma convergência a partir
desse projeto e de incorporar al-
gumas soluções desse período
de calamidade, mas manter to-
da a estruturação do projeto so-
bre a mudança no formato orga-
nizacional (dos times)”.
Antes mesmo da pandemia do
novo coronavírus, as dívidas dos
times bateram cerca de R$ 7 bi-
lhões – a maior parte é tributária
e algo entre 30% e 40% é referen-
te a dívidas comerciais e traba-
lhistas. Com a crise da covid-19,
o Ministério da Economia publi-
cou, na terça-feira passada, uma
portaria que prorroga o paga-
mento de parcelas tributárias de
maio, junho e julho dos clubes
que aderiram ao Programa de Re-
financiamento Fiscal do Fute-
bol Brasileiro (Profut), de 2015.
A proposta de Pedro Paulo
prevê a criação do clube-empre-
sa, já que hoje os times são asso-
ciações sem fins lucrativos. Jun-
to com isso, o deputado propõe
a possibilidade de os times pedi-

rem recuperação judicial desde
já – sem esperar o prazo de dois
anos a partir da constituição da
empresa –, a criação de um novo
programa de parcelamento de
dívidas tributárias parecido
com o Profut e a centralização
das execuções de ações traba-
lhistas de cada time, para que o
mesmo o juiz administre os re-
cursos disponíveis do clube.
Já o projeto do senador Pache-
co, além de permitir que clubes
se tornem empresas, prevê um
novo tipo societário: a socieda-
de anônima do futebol. Sua ado-
ção acarretaria no cumprimen-
to de um rol de padrões de com-
pliance, visando a captação de
recursos no mercado. Também
está prevista a criação do “De-
benturefut”, um programa para
tratar da emissão de títulos de
dívida por parte dos times, para
captar dinheiro. A proposta de
autoria de Pacheco contou com
a orientação do advogado Rodri-
go Monteiro de Castro, um dos
autores do estudo de viabilida-
de encomendado pelo São Pau-
lo Futebol Clube para virar uma
sociedade anônima.

Brigas. Até recentemente, os
apoiadores de um projeto eram
contrários ao outro: opositores
da iniciativa de Pedro Paulo ale-
gavam nos jornais que ela seria
um instrumento de calote para
os cartolas, enquanto críticos à
proposta de Pacheco argumen-
tavam que não é necessário
criar um tipo societário específi-
co para a atividade do futebol.
No final do ano passado, hou-
ve, entre os times, quem deixou
de apoiar a proposta vinda da
Câmara. Em outubro, um mês
antes de os deputados aprova-
rem a proposta, a Comissão Na-
cional de Clubes da CBF emitiu
nota demandando “um período
maior de debates, e reflexões
que tragam legitimidade e segu-
rança jurídica”. O texto afirma-
va que “na avaliação dos clubes,
por ora, a iniciativa não está ma-
dura a ponto de ser colocada em
votação imediata”.
Na época, houve acusações
na imprensa de que a urgência
na tramitação serviria para be-
neficiar o Botafogo, time do co-
ração de Rodrigo Maia e que en-
cabeça a lista dos mais endivida-
dos, com pendências que soma-
vam R$ 730 milhões, de acordo
com números de 2018 consoli-

dados pela consultoria Ernst
& Young. Maia chegou a ironi-
zar, em outubro, as críticas
da comissão de clubes. “Fico
feliz que o Vasco vive um óti-
mo momento financeiro e
não tem mais dependência
da CBF. Ótima notícia”, afir-
mou ao jornal Folha de
S.Paulo, em referência presi-
dente da comissão, Alexan-
dre Campello, que também é
presidente do Vasco.

Efeito. No entanto, o abalo
que os times sofreram diante
da covid-19 fez com que am-
bos os lados passarem a ver
as iniciativas como comple-
mentares. “O projeto do de-
putado Pedro Paulo prevê
mecanismos de recupera-
ção, o que se tornou essen-
cial nesse momento de uma
crise econômica sem prece-
dentes. Por isso, pode ser
que a união dos projetos, tra-
tando de possibilidades dife-
rentes, seja um caminho”, ex-
plicou Pacheco ao Estadão.

Opções. “Tem uma frase
que é meio batida, mas é que
a crise gera oportunidades.
O real está muito desvaloriza-
do, os clubes aumentaram
muito as suas dívidas e isso
significa que o ativo que é o
clube de futebol vai ficar
mais barato, não necessaria-
mente para empresários bra-
sileiros, mas para empresá-
rios de outros lugares do
mundo”, disse Pedro Paulo,
sobre a captação de recursos
no mercado. “Esse projeto
pode ajudar a acelerar o pro-
cesso de transformação dos
clubes. Aquilo que a gente
imaginava que iria gerar críti-
cas antes hoje já é, para mui-
tos, um consenso de que é ne-
cessário”, acrescentou.
Para viabilizar a convergên-
cia, a proposta unificada dos
dois parlamentares deverá
prever a criação da sociedade
anônima do futebol, mas sua
adoção pelos times não será
obrigatória: os clubes pode-
rão optar entre ela e outros
tipos societários que já exis-
tem, como a sociedade anôni-
ma ou a limitada. Eles tam-
bém poderão escolher per-
manecer na condição de asso-
ciações sem fins lucrativos,
se assim preferirem.

‘Quatro linhas’

Palco. Esvaziamento de estádios acelerou negociações em torno de proposta para beneficiar clubes em crise financeira

DIDA SAMPAIO/ESTADAO -15/5/

Segundo Estado mais afetado
do país pela epidemia de covid-
19, o Rio assiste à substituição,
nesta segunda, 18, de seu secretá-
rio de saúde Edmar Santos por
Fernando Ferry, atual diretor do
Hospital Gafree Guinle. A deci-
são do afastamento de Santos


agora foi motivada por denún-
cias de fraudes na licitação para
a compra de respiradores no va-
lor de R$ 3,9 milhões. O nome do
agora ex-secretário não foi cita-
do na investigação, mas o de cola-
boradores muito próximos.
De acordo com comunicado
oficial do governo do estado,
Santos foi exonerado “por fa-
lhas na gestão de infraestrutura
dos hospitais de campanha para
atender as vítimas da covid-19”.
Ainda segundo o comunicado,
“Santos seguirá auxiliando o Es-
tado e vai dirigir uma comissão

de notáveis no enfrentamento à
pandemia do coronavírus”. O
Ro tinha ontem um total de
22.238 casos de covid-19 e 2.
mortes. É o segundo estado do
país mais atingido pela epide-
mia, atrás apenas de São Paulo.
Segundo a secretaria, há ainda
952 mortes aguardando confir-
mação para covid-19.
Como parte da Operação Fa-
vorito, que investiga desvios em
contratos da saúde, o Ministério
Público do Rio (MPRJ) e a Polí-
cia Civil do Rio prenderam no
início do mês o ex-subsecretário

de Saude Gabirell Neves, além
de Gustavo Borges da Silva, Auri-
no Batista de Souza Filho e Cin-
thya Silva Newmann. Os quatro
são suspeitos de ter obtido van-
tagens financeiras na compra
emergencial de respiradores pa-
ra pacientes de covid-19.

Investigação. O Ministério Pú-
blico Federal considera que há
relação entre um empresário
preso na semana passada e a em-
presa contratada pelo governo
do Rio para implantar hospitais
de campanha que atendem pa-

cientes contaminados pelo no-
vo coronavírus. Trata-se de Má-
rio Peixoto, preso no âmbito da
Operação Favorito, na última
quinta-feira, e considerado che-
fe de organização criminosa in-
vestigada por desvios na saúde
do Rio. A operação foi deflagra-
da por causa dos indícios de en-
volvimento do grupo com a Or-
ganização Iabas, responsável
pelos hospitais de campanha.
Segundo o MPF, Mário Peixo-
to era o real controlador da Or-
ganização Social IDR, que admi-
nistra dez Unidades de Pronto

Atendimento (UPA) do Rio, e
instituiu um esquema de desvio
de recursos públicos por meio
da contratação de suas empre-
sas de prestação de serviço, que
receberam a maior parte do or-
çamento destinado à adminis-
tração das UPAs estaduais e de
diversas prefeituras da baixada
fluminense. A investigação indi-
ca ainda que o empresário teria,
entre 2012 e 2019, pagado siste-
maticamente propinas a conse-
lheiros do Tribunal de Contas do
Estado e aos deputados esta-
duais Paulo Melo e Jorge Piccia-
ni. A reportagem não conseguiu
contato com a defesa de Peixoto.
/ PEPIITA ORTEGA, FAUSTO MACEDO,
MARCIO DOLZAN E ROBERTA JANSE

Impacto da covid-19 sobre futebol alinha
projetos antagônicos na Câmara e no Senado

Thiago Faria / BRASÍLIA


Com uma fatura de cartão
corporativo que representa o
dobro de anos anteriores, o
governo de Jair Bolsonaro de-
cidiu esconder até mesmo
quanto pagou em taxas aero-
portuárias na operação que
buscou 34 brasileiros na cida-
de de Wuhan, na China, em fe-
vereiro, quando o país asiáti-
co ainda era o epicentro do co-
ronavírus. Embora o presi-
dente nem ninguém de sua fa-
mília tenham viajado junto,
os pagamentos foram classifi-
cados como sigilosos pelo Ga-
binete de Segurança Institu-
cional (GSI).
A viagem, feita com aerona-
ves da Força Aérea Brasileira
(FAB), foi usada pelo presiden-


te para justificar o aumento nos
gastos sigilosos da Presidência
neste início de ano. Desde de-
zembro, o governo tem ignora-
do uma decisão do Supremo
Tribunal Federal (STF) e se re-
cusa a explicar como tem usado
o dinheiro público via cartões
corporativos. A Presidência
tem justificado, nos pedidos fei-
tos via Lei de Acesso à Informa-
ção, que a abertura dos dados e
notas fiscais poderiam colocar
em risco a segurança do presi-
dente e de familiares.
Como mostrou o Estadão na
semana passada, a conta de ja-
neiro a abril dos cartões vincula-
dos à Secretaria Especial de Ad-
ministração da Presidência,
que bancam as despesas de Bol-
sonaro e de sua família, foi de
R$ 3,76 bilhões, o dobro do que

gastaram, em média, seus ante-
cessores no cargo, Michel Te-
mer e Dilma Rousseff. No dia se-
guinte à publicação da reporta-
gem, o presidente disse que a al-
ta nada tinha a ver com gastos
pessoais, mas se devia aos cus-
tos da viagem à China, em que
três aviões da FAB vinculados à
Presidência foram usados. No
mesmo dia, publicou nas redes
sociais que pagou R$ 739,6 mil
da operação de resgate.
Segundo o Palácio do Planal-
to, o valor se refere a taxas co-
bradas pelos aeroportos em
que os aviões pousaram e servi-
ço de comissária aérea da via-
gem – alimentação dos tripulan-
tes das aeronaves. Questionado
quanto cada item representou
na conta, informou não ser pos-
sível detalhar as despesas, pois

são sigilosas. A reportagem tam-
bém questionou o GSI com ba-
se em qual norma estes gastos –
que não estão vinculados ao
presidente ou a seus familiares


  • foram classificados como de
    acesso restrito, mas não obteve
    qualquer resposta.


Escalas. As aeronaves usadas
na operação de resgate dos bra-
sileiros na China saíram da Ba-
se Aérea de Anápolis, em Goiás,
e fizeram quatro paradas antes
de chegar a Wuhan, na China.
Com baixa autonomia em com-
paração com aviões comerciais,
os jatos presidenciais pararam
em Fortaleza, em Las Palmas,
que fica nas Ilhas Canárias (Es-
panha), na capital polonesa,
Varsóvia, e na cidade de
Ürünqi, já em território chinês.

Com exceção de Fortaleza,
onde os aviões da FAB são isen-
tos, em todos os outros aeropor-
tos são cobradas taxas aeropor-
tuárias. O valor é tabelado e le-
va em consideração o tempo de
permanência das aeronaves
(maior custo), abastecimento
de água, limpeza, e demais servi-
ços compreendidos no denomi-
nado “handling”.

Na operação foram utilizados
dois aviões presidenciais Em-
braer 190 (VC-2) que trouxe-
ram 17 repatriados cada e dois
jatinhos de apoio para troca de
tripulação Embraer 135 Legacy
600 (VC-99B), da frota do Gru-
po de Transporte Especial (G-
TE) – usados por ministros e
presidentes do Legislativo e do
Poder Judiciário.
Documentos do Comando da
Aeronáutica revelados pelo Es-
tadão em março mostraram
que a operação de resgate dos
brasileiros na China custou ao
todo cerca de R$ 4,6 milhões
aos cofres públicos – valor que
inclui gastos com o confinamen-
to dos brasileiros na Base Aérea
de Anápolis e a estimativa ba-
seada na “hora voo” de cada ae-
ronave.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


SOCORRO A


TIMES UNE ‘RIVAIS’


NO CONGRESSO


lValor

Suspeita de fraude derruba secretário de Saúde no Rio


Edmar Santos será


substituído por Fernando


Ferry; compra de


respiradores é


alvo de denúncias


Governo esconde até gasto aeroportuário


R$ 4,6 mi
foi o custo da operação de
resgate dos brasileiros na
China de acordo com os
documentos do Comando da
Aeronáutica revelados pelo
‘Estadão’ em março.

GSI tornou sigilosos os valores pagos com cartões corporativos das taxas em aeroportos na operação de resgate de brasileiros na China

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