O Estado de São Paulo (2020-05-18)

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O ESTADO DE S. PAULO SEGUNDA-FEIRA, 18 DE MAIO DE 2020 Internacional A


MOISÉS


NAÍM


“O


mundo mudou para sem-
pre”. Foi o que se afir-
mou depois dos atenta-
dos de 11 de setembro de 2001. A mes-
ma coisa se verificou após a grande
recessão, que durou de 2007 a 2009.
E ocorre também depois de cada um
dos colapsos financeiros que regu-
larmente sacodem o planeta. A análi-
se das crises internacionais que te-
mos vivido desde a década de 80 re-
vela vários fatores recorrentes. Al-
guns já estamos observando nesta
pandemia de covid-19. Outros não.
Há cinco que vale a pena destacar:
1 – O exagero do impacto da crise.
Os prognósticos quanto a mudanças
no mundo são exagerados. Depois
das crises anteriores, o mundo não
mudou, nem para sempre e nem para

todos. Claro que o terrorismo e os colap-
sos econômicos tiveram grande impac-
to. Mas, na prática, houve mais continui-
dade do que revolução. As crises não
mudaram o mundo tanto como foi
anunciado por políticos e jornalistas.
2 – A reação dos governos tem muito
mais impacto do que o próprio fato que
produz a crise. O 11 de Setembro cau-
sou a morte de 3 mil pessoas e perdas
de US$ 100 bilhões. A reação de
Washington custou US$ 3 trilhões. Os
conflitos no Iraque, Afeganistão e Pa-
quistão mataram 480 mil mortos, inclu-
indo 244 mil civis. O mesmo ocorreu
com o colapso financeiro de 2007. A
gigantesca ajuda financeira dos gover-
nos para grandes empresas teve mais
impacto do que a própria crise. Os go-
vernos privilegiaram as grandes empre-

sas privadas às expensas da classe mé-
dia e dos trabalhadores. Isto agravou a
desigualdade e impulsionou o descon-
tentamento social que, por sua vez, for-
taleceu o populismo e terminou alte-
rando a política em muitos países.
3 – As crises não são globais. A reces-
são de 2007 a 2009 foi tão grave e a rea-
ção dos governos das economias desen-
volvidas foi tão maciça que era natural
supor que se tratava de uma crise econô-
mica mundial. Mas não foi. China, Bra-
sil e outros mercados emergentes não
se viram tão afetados. Melhor, eles se
converteram nas locomotivas da econo-
mia global e ajudaram a reanimar as eco-
nomias prostradas dos EUA e Europa.
4 – A rotineira necessidade de refor-
mas que nunca ocorreu. Outro fator
comum que nunca falta nas crises é o
apelo para reformas das instituições
internacionais, a democracia e o capita-
lismo. Ao eclodir uma crise é comum
que líderes políticos e intelectuais pe-
çam a eliminação – ou uma reforma
profunda – de ONU, Otan, FMI, Banco
Mundial ou do setor privado. Como
sabemos, nada disso ocorreu até hoje.
5 – O que acreditávamos ser perma-
nente, acabou sendo transitório, e vice-

versa. Outro dos elementos comuns
nas crises é o surpreendente desapare-
cimento ou a total irrelevância de líde-
res e instituições que considerávamos
permanentes e onipotentes. Saddam
Hussein, Muamar Kadafi, os podero-
sos executivos dos grandes bancos, e os
próprios bancos, são bons exemplos.
Por outro lado, ideias, líderes, acordos
internacionais e políticos que pare-
ciam transitórios se tornaram perma-
nentes. O auge do populismo sem ré-
deas, simbolizado por Donald Trump e
Boris Johnson, ilustra esta tendência.
É possível que as lições que tiramos
de outras crises não se apliquem à pan-
demia de covid-19. Ela é diferente de
todas as outras grandes crises que ocor-
reram desde o século passado. O coro-
navírus desencadeou uma instabilida-
de mundial diante da qual nenhum
país está imune. A tecnologia, a globali-
zação, a revolução digital, o fato de
que, desde 2009, no mundo há mais
pessoas vivendo nas cidades do que no
campo, e a ausência de um tratamento
para o vírus, são apenas alguns dos fato-
res diferenciadores desta crise.
Mas, apesar de todas as diferenças,
também há coisas que vimos nas crises

passadas e que se repetem nesta.
Não é impossível que, no longo pra-
zo, a reação exagerada ou inepta dos
governos venha a causar tanto ou
mais danos que a própria pandemia.
Tampouco faltou nesta crise a de-
núncia das organizações multilate-
rais. O governo americano deixou
de pagar sua cota para a OMS e pe-
diu sua total reestruturação.
A pandemia também provocou si-
tuações que começaram como um
paliativo e se tornarão permanen-
tes. O trabalho remoto é o mais ób-
vio dos exemplos. Finalmente, um
fator comum a todas as crises é a pro-
liferação de teorias conspiratórias
para explicar o que ocorre e o núme-
ro crescente de charlatães que se
aproveitam da confusão para vender
ideias ou produtos fraudulentos. Co-
mo vemos de sobra nos noticiários,
esta pandemia não é imune ao impac-
to dos charlatães que brincam de ser
presidente. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA
MARTINO

]
É ESCRITOR VENEZUELANO E
MEMBRO DO CARNEGIE ENDOWMENT

O mundo após as crises


JERUSALÉM


Binyamin Netanyahu tomou
posse ontem como primeiro-
ministro de Israel. Desta vez,
ele lidera um governo de união
com seu ex-rival, Benny Gantz.
O acordo entre os dois, que po-
de consolidar a anexação de
grande parte da Cisjordânia pa-
lestina, determina que Bibi seja
chefe de governo nos primeiros
18 meses e Gantz, nos 18 meses
seguintes.
A cerimônia de ontem era pa-
ra ter sido realizada na quinta-
feira. A posse, porém, foi adiada
por divergências de última hora
entre os aliados de Netanyahu –
o premiê teve de redistribuir al-
gumas pastas de seu gabinete.
Ontem, porém, ele estava pron-


to para exercer o cargo que ocu-
pa desde 2009 – até hoje, o pre-
miê que mais tempo esteve no
poder em Israel. “As pessoas
querem um governo de união, e
é isso que terão”, afirmou, an-
tes da cerimônia.
O governo de união encerra
um impasse que se arrasta há
mais de 500 dias. Nesse perío-
do, o país realizou três eleições
consecutivas, sem que nenhum
dos lados conquistasse uma vi-
tória definitiva. Ontem, Ne-
tanyahu prometeu estender a
soberania israelense sobre os as-
sentamentos na Cisjordânia
ocupada, chamando o avanço
de “outro capítulo glorioso da

história do sionismo”.
O panorama que se apresenta
para o novo governo, no entan-
to, não será fácil de adminis-
trar. Além dos planos de anexa-
ção, Netanyahu terá de enfren-
tar uma economia severamente
abalada pela crise do coronaví-
rus. Quando teve a palavra on-
tem, Gantz disse aos deputados
que a crise atual “é a maior da
história de Israel.”
O velho premiê, no entanto,
começa um novo mandato
ameaçado por indiciamentos
em escândalos de corrupção. O
julgamento começa no fim de
maio e deve se estender pelos
próximos 18 meses – tempo em
que Bibi ocupará o cargo.
Ao todo são três processos. O
primeiro se refere ao “Caso
4000”, em que Netanyahu é acu-
sado de dar concessões regula-
tórias a Shaul Elovitch, acionis-
ta controlador da empresa de
telecomunicações Bezeq, em
troca de cobertura favorável de
seu site de notícias Walla.
Já o “Caso 2000” é sobre um
acordo entre Netanyahu e Ar-
non Mozes, dono do jornal Ye-
diot Aharonot, por uma cobertu-
ra favorável em troca de ações
governamentais contra o diário
rival Israel Hayom. Por fim, no
“Caso 1000”, o premiê é acusa-
do de fraude e de quebra de con-
fiança por aceitar presentes de
empresários ricos. / AFP

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WASHINGTON


O presidente dos EUA, Do-
nald Trump, rebateu ontem
as declarações de seu anteces-
sor Barack Obama, que havia
criticado, no sábado, a respos-
ta de seu governo à pandemia
de coronavírus. “Ele (Oba-
ma) foi um presidente incom-
petente. É tudo o que eu pos-
so dizer”, afirmou Trump, ao
ser questionado por jornalis-
tas sobre os comentários do
ex-presidente.


A discussão entre presidente
e ex-presidente é rara na políti-
ca americana. Embora Trump
tenha rompido com a tradição e
venha criticando Obama desde
que tomou posse, em janeiro de
2017, o democrata nunca havia
publicamente criticado a Casa
Branca.
No sábado, Obama proferiu
um discurso virtual para 27 mil
formandos de 78 faculdades e
universidades. Durante a ceri-
mônia, o ex-presidente fez críti-
cas pontuais à forma de o gover-

no atual lidar com a crise de saú-
de pública nos EUA. “Mais do
que tudo, essa pandemia final-
mente acabou com a noção de
que muitas das pessoas no po-
der sabem o que estão fazen-
do”, afirmou Obama. “Muitas
delas nem sequer fingem que es-
tão no comando.”
As declarações do ex-presi-
dente esquentaram uma campa-
nha presidencial que foi com-
pletamente abafada pela pande-
mia. O candidato democrata,
Joe Biden, que foi vice-presiden-

te durante os dois mandatos de
Obama, vem fazendo campa-
nha online. Trump, habituado a
arrastar multidões para seus co-
mícios, teve de cancelar os even-
tos e passou a arrecadar dinhei-
ro pela internet.
Até agora, as pesquisas favo-
recem Biden, que lidera com
pouco mais de 4 pontos porcen-
tuais as sondagens nacionais. A
eleição americana, no entanto,
é decidida de forma indireta,
por um colégio eleitoral de 538
votos, que são alocados para os

Estados, de acordo com a popu-
lação – o que torna o resultado
final mais imprevisível.
Com mais de 1,5 milhão de ca-
sos confirmados e 90 mil mor-
tos nos EUA, Trump vem tendo
dificuldades para manter a ima-
gem de que a resposta de seu
governo foi rápida e eficaz.
Diante da pressão, assessores,
secretários e aliados republica-
nos tentam outras alternativas,
como responsabilizar a China
ou o governo de Obama, acusa-
do de ter adotado políticas que

dificultavam a implementação
de testes para covid-19.
No fim de semana, os comen-
tários de Obama foram a primei-
ra resposta aos ataques do presi-
dente. Em seu discurso virtual,
o democrata também aprovei-
tou para tentar reunir a base
eleitoral do partido a seis meses
da eleição, referindo-se a valo-
res historicamente defendidos
pelos democratas, como atendi-
mento universal à saúde, igual-
dade econômica e defesa do
meio ambiente. / NYT, WP e AFP

Trump rebate Obama e esquenta disputa eleitoral


Democrata havia criticado comportamento de líderes americanos durante o surto e ontem foi chamado de ‘incompetente’ pelo presidente


“É hora de impor a lei
israelense e escrever um
outro capítulo glorioso na
história do sionismo”
Binyamin Netanyahu
PREMIÊ DE ISRAEL, EM REFERÊNCIA À
ANEXAÇÃO DE PARTES DA CISJORDÂNIA

AMOS BEN GERSHON/KNESSET

Novo governo de união


em Israel encerra


500 dias de crise


marcados por três


eleições sem vencedor


Bibi assume e renova


promessa de anexar


partes da Cisjordânia


De máscara. Netanyahu (D) conversa com seu novo aliado Benny Gantz no Parlamento

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