Planeta - Edição 547 (2019-04 & 2019-05)

(Antfer) #1
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Meu Olhar Planeta Abdullahi Ahmed An-Na’im


foto: istock

Qual é o melhor caminho para a
mudança?
AN-NA’IM – Precisamos ir além das
ideias burocráticas e formalísticas para
inspirar a imaginação das pessoas e im-
pulsionar a mudança.
Às vezes as pessoas não tentam provo-
car mudanças porque não acham que is-
so seja possível. Mas elas estão erradas.
Quando me mudei para Atlanta (EUA), em
1995, por exemplo, a sodomia era um cri-
me que levava à prisão. Em 2015, a possi-
bilidade de casais do mesmo sexo se casa-
rem tornou-se um direito constitucional.
A velocidade com que essa transforma-
ção aconteceu mostra que não é preciso
começar com a mudança legal, mas com
mudanças culturais e sociais. A transfor-
mação em uma comunidade é real mente
a força motriz da mudança – não a conse-
quência da mudança.

Ao se referir à cultura dos direitos
humanos, que pode ser promovi-
da por meio do discurso interno e
do diálogo intercultural, o que o
sr. quer dizer?
AN-NA’IM – Quando falo em cultura
dos direitos humanos, refiro-me aos va-
lores internalizados – desde a socialização
precoce das crianças – que são reforçados
ao longo da vida. Esses valores tendem
a apoiar o respeito e a proteção dos di-
reitos humanos dos outros, embora pos-
sam não ser identificados nesses termos.
Dentro dos seres humanos, e em suas co-

munidades, há impulsos para respeitar a
dignidade do outro e lutar pela harmonia
intercomunitária, pela coexistência e in-
terdependência mútua.
Todos esses são valores de direitos
humanos, na minha opinião, embora
não sejam representados como tal no
discurso comum. Tenho batalhado des-
de os anos 1980 pelo cultivo da cultura
dos direitos humanos para cada comu-
nidade como a base para o aprofunda-
mento e a expansão do consenso in-
ternacional dentro das culturas e pelo
diálogo entre diferentes culturas.

Como o sr. começou a se interes-
sar pelos direitos humanos por
uma perspectiva islâmica?
AN-NA’IM – Enquanto lutava com mi-
nha própria crença conflitante no Islã e a
oposição à Sharia (o conjunto de leis da fé
muçulmana) nos anos 1960, encontrei Us-
tadh (professor reverenciado) Mahmoud
Mohamed Taha. Foi sua interpretação ino-
vadora do Islã que me ajudou a conciliar
minha crença nessa religião e o compro-
misso com a defesa dos direitos humanos.
Taha era um engenheiro sudanês de
profissão e um reformador sufi muçul-
mano por orientação religiosa. Ele partici-
pou da luta pela independência no Sudão
dos anos 1940 e foi prisioneiro político
sob a administração colonial anglo-egíp-

cia. Fundou e presidiu o Partido Republi-
cano, que trabalhou pela independência
do Sudão como uma república democráti-
ca – daí o nome. Depois de um longo perí-
odo de prisão e de uma etapa de disciplina
religiosa, Ustadh Taha surgiu em 1951 com
uma interpretação reformista do Islã.
Após sua execução, em janeiro de
1985, e a supressão de seu movimento de
reforma, deixei meu país, mas continuei a
desenvolver meu próprio entendimento
e aplicação da metodologia de reforma de
meu professor, e tenho me esforçado para
viver de acordo com seu modelo.

Conte-nos sobre seu projeto “O
Futuro da Sharia”.
AN-NA’IM – “O Futuro da Sharia” (aces-
sível pelo endereço scholarblogs.emory.
edu/aannaim) combina vários temas do
meu trabalho acadêmico e da defesa da
mudança social, que evoluíram na mi-
nha mente desde que estudava Direito,
nos anos 1960, até o presente. Em termos
de reforma e estudos islâmicos, consegui
conciliar meu compromisso com um es-
tado secular de uma perspectiva islâmi-
ca – como fizera com os direitos humanos
mais cedo – com minha religião.
Estou convencido de que as ideias de
direitos humanos e cidadania são mais
consistentes com os princípios islâmicos
do que com as alegações de um estado su-
postamente islâmico de impor a Sharia.
No meu livro de 2008 “Islam and the Se-
cular State” (Islã e o Estado Secular), apre-
sento argumentos islâmicos para a separa-
ção entre Islã e Estado e de regulação das
relações entre o Islã e a política. Argumen-
to que a aplicação coercitiva da Sharia pe-
lo Estado trai a insistência do “Alcorão” na
aceitação voluntária do Islã. A piedade in-
dividual pode ser reconciliada com a iden-
tidade religiosa coletiva – para ser muçul-
mano por convicção e livre escolha, que é
a única forma de ser muçulmano, preciso
de um estado secular, que seja neutro em
relação à doutrina religiosa e promova a
genuína observância religiosa.^ M

abril/maio 2019 Planeta

Casal gay americano: união legal hoje em dia

dentrO dOS


SereS humAnOS


há impulSOS


pArA reSpeitAr A


dignidAde AlheiA


e lutAr pelA


COexiStênCiA


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