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evolução do homem está
diretamente relacionada
à sua alimentação. Cerca
de 3 milhões de anos atrás,
quando a espécie humana
começou a se desenvol-
ver, vivíamos da coleta de
plantas e caçávamos ani-
mais com pedras. Um milhão de anos depois, ao criar-
mos ferramentas e armas que facilitaram a obtenção
e a manipulação de alimentos, passamos a consumir
muito mais proteína animal. Segundo um estudo feito
em 2016 por biólogos da Universidade Harvard (EUA),
essa mudança na dieta afetou nossa anatomia – a bo-
ca começou a diminuir de tamanho e o cérebro, a au-
mentar – e nosso metabolismo, que passou a investir
mais recursos no sistema nervoso.
Quando o fogo foi descoberto, há cerca de 500 mil
anos, outra revolução aconteceu. A cocção multiplicou
os sabores e permitiu transformar os alimentos ainda
mais. Já por volta de 10 mil anos atrás, deixamos de ser
nômades para cultivar plantas e criar animais para nos-
so sustento. A sobrevivência já não envolvia tantos ris-
cos, e passou a depender mais da ação planejada com
base na capacidade intelectual do homem.
Mas a acumulação de ingredientes para o cardápio
afastou a sociedade humana das suas origens, a natu-
reza. Bastou menos de meio século para a indústria
alimentícia se instaurar, dirigida principalmente pelos
ganhos de escala e pela lucratividade. E, nesse banque-
te servido pelo mercado, o planeta está frito. As princi-
pais práticas de produção dos alimentos dos últimos
100 anos já são uma ameaça ao equilíbrio do meio am-
biente. A pergunta sobre a mesa agora é: quais são nos-
sas opções para o futuro?
Se pensada para uma população de mais de 9 bi-
lhões de habitantes prevista para 2050 (cerca de 30%
a mais que os atuais cerca de 7 bilhões), a dieta de ho-
je, que já é insustentável, significa um prato cheio de
problemas. “Produzir alimento para uma população
mundial que cresce vertiginosamente é algo que gera
externalidades diversas, inevitavelmente. No entan-
to, a forma com que nós produzimos e o que consumi-
mos possui um peso ainda maior”, expõe Ravi Orsini,
pesquisador sobre alimentação sustentável e consu-
mo consciente, formado em gestão ambiental.
De embrulhar o estômago
O primeiro alerta mundial foi dado em 2006, com o
relatório “Livestock’s long shadow: environmental is-
A
sues and options”, publicado pe-
la Organização das Nações Unidas
para Agricultura e Alimentação
(FAO). Ao analisar a magnitude dos
impactos socioambientais da pro-
dução animal, o estudo tirou o ape-
tite de muita gente ao concluir que
“o setor da pecuária emerge como
um dos dois ou três contribuintes
mais significantes para os proble-
mas ambientais mais sérios, em to-
das as escalas do local ao global”.
Estendeu-se, assim, o combate
ao aquecimento global – até então
focado nos combustíveis fósseis –,
para a criação de animais voltada
ao consumo humano, em especial
o gado. “Atualmente, cerca de 75%
das terras utilizadas para a produ-
ção de alimentos no planeta são
destinadas à criação de animais, se-
ja diretamente, nas pastagens, ou
indiretamente, nos cultivos que os
alimentam, tais como soja, milho,
etc.”, afirma Orsini.
Além disso, a indústria da car-
ne demanda um terço da água do-
ce do planeta para matar a sede
do rebanho e irrigar os grãos que
ele come. “Apesar disso, a pecuá-
ria produz apenas 33% das proteí-
nas e 17% das calorias consumidas
globalmente”, contrapõe o pesqui-
sador. A agricultura, claro, também
gera muitos impactos, dependen-
do da forma como é praticada. Mas
estudos indicam que são bem me-
nores dos que os da pecuária.
Um relatório de 2015 realizado
pelo Conselho Empresarial Brasi-
leiro para o Desenvolvimento Sus-
tentável (CEBDS) e pela Agência
Alemã para a Cooperação Interna-
cional (GIZ) mostrou que para cada
R$ 1 milhão de receita produzida
com pecuária extensiva no Brasil,
geram-se R$ 22 milhões em impac-
to ambiental. Já para a soja (produ-
ção vegetal mais impactante do es-
tudo), por exemplo, essa relação é
de R$ 1 milhão em receita para R$
3 milhões em impactos.
Seja por questões culturais ou
econômicas, no país do churrasco e
do agronegócio (leia quadro na pág.
33 ), entretanto, ainda causa muito
32 abril/maio 2019 Planeta
Fåbrica de
queijo: a
indústria
alimentícia
atual ainda se
guia mais pela
lucratividade e
pelos ganhos
de escala
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