O Estado de São Paulo (2020-05-19)

(Antfer) #1

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A6 Política TERÇA-FEIRA, 19 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


‘Capacidade


administrativa


e política’


José Maria Mayrink


O ex-governador de São Paulo
Laudo Natel morreu na manhã
de ontem, aos 99 anos. A causa
da morte não foi divulgada. Na-
tel, que governou o Estado em
duas ocasiões, completaria 100
anos em setembro. De paletó e
gravata a vida inteira, fosse co-
mo bancário, político ou nos
anos de aposentadoria, o paulis-
ta Laudo Natel gostava de ser
chamado de “governador caipi-
ra”. Jamais abriu mão da forma-
lidade, inspecionando obras ao
volante de um trator, passean-
do pelo gramado de seu clube
no Morumbi ou despachando
com o secretariado.
Nascido em São Manuel, em
14 de setembro de 1920, Natel
foi governador duas vezes, por
11 meses quando era vice e assu-
miu o cargo na vaga de Adhemar
de Barros, cassado pelo regime
militar em 1966, e no período de
1971 a 1975, como governador
biônico, eleito pela Assembleia
por indicação do presidente da
República, general Emílio Gar-


rastazu Medici. Tentou um ter-
ceiro mandato, também por elei-
ção indireta, mas foi vencido na
convenção da Arena, o partido
oficial, por Paulo Maluf.
Filho de Bento Alves Natel e
Albertina Barone, o futuro go-
vernador nasceu na Fazenda
Quebra Pote, de onde ia a cava-
lo para estudar numa escola par-
ticular de Mirassol, a oito quilô-
metros de distância. “Eu era um
garoto normal”, lembrou anos
mais tarde, conforme registrou
o jornalista Ricardo Viveiros,
seu biógrafo, em Laudo Natel,
Um Bandeirante (Imprensa Ofi-
cial de São Paulo, 2010).
O pai queria que Laudo fosse
médico ou oficial da Marinha,
duas profissões que ele logo re-
jeitou “por absoluta falta de vo-
cação”. Em 1937, ao terminar o

curso ginasial, abandonou tam-
bém a ideia de fazer Direito, por
falta de recursos. Bento Natel
morreu naquele ano sem deixar
qualquer herança. Desde 1932,
quando São Paulo se revoltou
contra o presidente Getúlio Var-
gas, na Revolução Constitucio-
nalista, Laudo Natel se mudou
para continuar os estudos. Não
foi além do antigo colegial, não
fez nenhuma faculdade. Alis-
tou-se para o Tiro de Guerra em
Pirajuí, aos 17 anos, e começou a
trabalhar no Banco Noroeste,
seu primeiro emprego.
Foi em Pirajuí que conheceu
Maria Zilda, com quem se ca-
sou em 1943. Ele acabara de se
mudar para Marília, quando se
transferiu do Noroeste para o
Bradesco, recém-fundado por
Amador Aguiar. Dois casamen-
tos estáveis. Natel foi casado
com Maria Zilda até 1992,
quando ela morreu de câncer,
e permaneceu ligado ao banco
até o fim da vida.

Morumbi. Eleito tesoureiro do
São Paulo Futebol Clube em
1952, foi, mais tarde, diretor fi-
nanceiro e presidente. Foi ele
quem conseguiu recursos para a
construção do Estádio do Mo-
rumbi, uma obra, como gostava
de dizer, que não dependeu de
dinheiro dos governos munici-
pal, estadual e federal. Consta

que, ao observar a grandiosidade
do estádio ao assistir a um jogo
ao lado de Natel, Medici decidiu
fazer dele governador em 1971.
Para concorrer nas eleições indi-
retas pela Arena, ele se licenciou
da presidência do São Paulo.
O São Paulo lamentou a morte
de Natel. “Nosso eterno agrade-
cimento a uma das figuras mais

importantes da história do nos-
so clube pelas décadas de amor
incondicional às nossas cores.”
Administrador eficiente, Na-
tel levou adiante ou iniciou pro-
jetos importantes, como a cria-
ção da Companhia Energética
de São Paulo (Cesp), com a unifi-
cação de 11 hidrelétricas, e deu
prosseguimento aos estudos
básicos para a construção do Me-
trô. Modernizou o sistema fa-
zendário por meio de seu secre-
tário da Fazenda, Antônio Del-
fim Netto. Unificou a malha fer-
roviária na Ferrovia Paulista
S.A. (Fepasa), prosseguiu na
construção da pista ascendente
da Rodovia dos Imigrantes,
criou a Sabesp e a Cetesb e apro-
vou um plano para o desenvolvi-
mento do Vale do Ribeira.
O governador de São Paulo,
João Doria (PSDB), lamentou a
morte de Natel. “Foi um perma-
nente defensor do Estado nas vá-
rias funções que exerceu na vida
pública e na iniciativa privada.”

Ditadura. O governo de Natel
coincidiu com o período mais
duro da censura imposta à im-
prensa pela ditadura. Foi quan-
do o então diretor do Jornal da
Tarde, jornalista Ruy Mesquita,
inventou um receita culinária
com o nome de “lauto pastel”,
jogo de palavras em homena-
gem ao governador, em meio às
receitas publicadas para cobrir
o espaço aberto pelos cortes
dos censores.
Ao deixar o Bandeirantes, em
1975, aos 55 anos, voltou a mo-
rar em sua residência, no Pa-
caembu, e reocupou sua vaga
no Bradesco, como conselheiro
de uma seguradora.

Wilson Tosta / RIO


O Controle Externo da Ativi-
dade Policial do Ministério
Público Federal instaurou um
Procedimento Investigatório
criminal (PIC) para apurar os
supostos vazamentos da Polí-
cia Federal na Operação Fur-
na da Onça. O MPF também
requereu à Justiça Federal o
desarquivamento de inquéri-
to que apurou suspeitas de
que informações privilegia-
das foram vazadas. A investi-
gação fora arquivada após a
PF afirmar que não encontra-
ra evidências de crimes.
Suplente do senador Flávio
Bolsonaro (Republicanos-RJ),
o empresário Paulo Marinho
afirmou em entrevista ao jornal
Folha de S.Paulo que ouviu do
filho mais velho do presidente
Jair Bolsonaro que ele teria rece-
bido informações sigilosas da
Polícia Federal sobre investiga-
ções envolvendo seu ex-asses-
sor Fabrício Queiroz.
Marinho afirmou que, segun-
do relato do próprio Flávio fei-
to em dezembro de 2018, um de-
legado da PF avisou das investi-
gações pouco após o primeiro
turno das eleições gerais daque-
le ano e informou que membros
da Superintendência da PF no
Rio adiariam a Operação Furna
da Onça para não prejudicar a
disputa de Jair Bolsonaro con-
tra Fernando Haddad (PT), no
segundo turno de 2018.
Para o procurador da Repúbli-
ca Eduardo Benones, “há notí-
cias de novas provas que deman-
dam atividade investigatória”.


Marinho, que participou da
campanha de Bolsonaro em
2018, será chamado a depor no
PIC e, a pedido da Procurado-
ria, ganhará segurança policial
antes e depois do depoimento.
Marinho passou a contar com
proteção da Polícia Militar em
torno de sua casa desde ontem,
após relatar ameaças e pedir aju-
da ao governo fluminense.
“Caso fique comprovado
qualquer vazamento, mesmo
uma simples informação, os po-
liciais responsáveis podem ser
presos e até perder o cargo por
improbidade”, declarou Beno-
nes, segundo nota do MPF.
Ontem, Marinho disse que
tem “elementos que compro-
vam” seu relato. “Tenho pro-
vas, tenho elementos que com-
provam o relato que eu fiz. Já
adianto que tudo que eu falei
vou repetir durante depoimen-
to à PF, rigorosamente igual”,
disse o empresário ao site G1.
O desembargador Abel Go-
mes, relator da Operação Furna
da Onça no Tribunal Regional
Federal da 2.ª Região (TRF-2),
divulgou nota oficial afirmando
que a ação que mirou esquema
de desvio de salários na Assem-
bleia Legislativa do Rio de Janei-
ro “não foi adiada, mas, sim, de-
flagrada no momento que se
concluiu mais oportuno, con-
forme entendimento conjunto
entre o Ministério Público Fede-
ral, a Polícia Federal e o Judiciá-
rio”. Segundo o magistrado, as
autoridades entenderam que
realizar a operação após o se-
gundo turno das eleições 2018
“seria o correto”.

Cadeia Velha. Origem da Ope-
ração Furna da Onça, cujo teor
e deflagração teriam sido vaza-
dos para o hoje senador Flávio

Bolsonaro na campanha de
2018, a Operação Cadeia Velha
foi comandada pelo delegado
Alexandre Ramagem, preferido
do presidente Jair Bolsonaro pa-
ra comandar a Polícia Federal.
O policial – cuja nomeação foi
suspensa pelo Supremo Tribu-
nal Federal – é personagem da
crise que resultou na demissão
de Sérgio Moro do Ministério
da Justiça e de Maurício Valeixo
da chefia da PF.
Na Cadeia Velha, foi produzi-
do o relatório do Conselho de
Controle de Atividades Finan-
ceiras (Coaf) que apontou mo-
vimentações suspeitas de Fabrí-
cio Queiroz, assessor de Flávio
na Assembleia Legislativa do

Rio. Até agora, porém, nada liga
Ramagem, diretor-geral da
Agência Brasileira de Inteligên-
cia (Abin), ao vazamento ou a
outra ilegalidade na ação dos po-
liciais federais no Rio. O Esta-
dão tentou contato com Rama-
gem, sem sucesso.
Em novembro de 2017, a Ca-
deia Velha investigou a conces-
são ilegal de benefícios fiscais a
empresas mediante vantagens
indevidas. A Furna da Onça, em
novembro de 2018, apurou o pa-
gamento de propinas a deputa-
dos estaduais. Ambas tiveram
como epicentro a Alerj, e seus
desdobramentos chegaram a as-
sessores de mais de 20 parla-
mentares. Segundo o Coaf, eles

movimentariam em contas ban-
cárias quantias muito superio-
res a seus vencimentos. Isso le-
vantou a suspeita de rachadi-
nha – repasse de parte do salá-
rio do comissionado ao parla-
mentar que o contratou. Um
dos ocupantes desses cargos
era Queiroz, que, em um ano,
movimentou R$ 1,2 milhão. O
assessor recebeu depósitos de
colegas de gabinete, muitas ve-
zes em datas perto do dia de pa-
gamento. A investigação dessas
suspeitas ficou com o Ministé-
rio Público Estadual e envolveu
Flávio. Ele não fora alvo das
duas operações que devassa-
ram a Casa e levaram à prisão
seus ex-presidentes Jorge Pic-
ciani e Paulo Melo (MDB).
Flávio é investigado pelo Mi-
nistério Público do Rio por pe-
culato (desvio de dinheiro pú-
blico por servidor), lavagem de
dinheiro e organização crimino-
sa. Mais de 90 pessoas também
estão sob investigação.
Frederick Wassef, advogado
que defende Flávio no caso
Queiroz, afirmou ontem que,
mesmo que as declarações de
Marinho sejam comprovadas,
“elas não vão ensejar nada mais
do que um procedimento admi-
nistrativo da própria corregedo-
ria da Polícia Federal para apu-
rar as condutas praticadas pelo
referido delegado federal.”
O senador reagiu às afirma-
ções de Marinho. Em nota, ata-
cou o ex-aliado. “O desespero
de Paulo Marinho causa um
pouco de pena, afirmou. Quei-
roz sempre negou ter cometido
irregularidades.

lDefesa

lLegado

Ex-governador de São


Paulo morre aos 99 anos


LAUDO NATEL H 1920 = 2020


Luiz Carlos Trabuco Cappi,
presidente do Conselho de
Administração do Bradesco


ERNESTO RODRIGUES/ESTADÃO


  1. Laudo Natel em seu
    escritório no centro de SP


Arquivada em 2018, investigação sobre divulgação irregular de informações na Furna da Onça é reaberta após afirmações de Paulo Marinho


“Nenhum membro da
família Bolsonaro
participou, teve ingerência,
quis, pediu, solicitou, nem
na esfera psicológica,
emocional, espiritual, nem
prática, ninguém jamais fez
qualquer ato no sentido de
solicitar tal postergação de
investigação.”
Frederick Wassef
ADVOGADO DE FLÁVIO BOLSONARO

“Laudo Natel foi um
permanente defensor de São
Paulo nas várias funções
que exerceu na vida pública
e na iniciativa privada.”
João Doria
GOVERNADOR DE SÃO PAULO


  1. O então governador Laudo Natel (à dir., de gravata)


Laudo Natel participou


da criação da Companhia


Energética de São Paulo


(Cesp) e da construção


do estádio do Morumbi


Com profundo sentimento de
pesar, o Bradesco perde hoje
(ontem), com o falecimento
do estimado Laudo Natel, aos
99 anos, um dos principais


construtores da nossa história
e um dos grandes símbolos da
nossa Organização. Logo em
1943, na data de nascimento
do Bradesco, Natel tornou-se
um dos nossos pioneiros, após
ter sido colega no Banco No-
roeste e tornar-se grande ami-
go do nosso fundador Amador
Aguiar. Igualmente foi parcei-
ro de toda uma vida do saudo-
so Lázaro de Mello de Bran-
dão, de quem a proximidade o
fez ser padrinho de casamen-
to. Até pouco antes de nos dei-
xar, Natel comparecia à sede

do banco todas as semanas,
compartilhando sua simpatia
e dividindo generosamente
conosco a sua grande expe-
riência de vida.
Com sua serenidade e ele-
gância, esse filho ilustre da ci-
dade de São Manuel descreveu
uma das mais exitosas biogra-
fias do nosso tempo. No Bra-
desco, desbravou o interior do
Estado de São Paulo na funda-
ção de agências, bancarização
da população e dando suporte
às atividades da indústria, agri-
cultura, comércio e serviços.

Sempre com brilho, realizou
um trabalho incansável, que
ajudou a forjar a pujança da
nossa Organização em pari
passu com o crescimento eco-
nômico de São Paulo.
A trajetória de Natel numa
vida inteira de dedicação ao
trabalho e às suas grandes pai-
xões foi amplamente reconhe-
cida. Ele tornou-se muito ce-
do diretor da nossa Organiza-
ção e, atendendo a um chama-
do do coração, dedicou-se com
igual talento ao seu amado São
Paulo Futebol Clube, a partir

dos anos 1950. Ali, moderni-
zou as atividades, reerguendo
suas finanças, dando início e
completando a maior obra da-
quela agremiação, o majestoso
estádio do Morumbi.
Em reconhecimento a tan-
tas vitórias pessoais e coleti-
vas que ele protagonizou, Lau-
do Natel foi por duas vezes,
nos anos de 1960 e 1970, go-
vernador de São Paulo, lançan-
do mão de toda a sua capacida-
de política e administrativa
para promover o desenvolvi-
mento social e econômico da

terra em que nasceu, cresceu
e tanto dedicou o seu melhor,
durante toda a sua vida.
O Laudo Natel que nos dei-
xa escreveu uma biografia ili-
bada com letras de ouro, des-
tacando-se pelo caráter nobre
e fina elegância em todas as
suas atividades.
À família, em especial, aos
seus colegas e amigos do Bra-
desco e a seus incontáveis ad-
miradores, a nossa mais pro-
funda solidariedade.
Descanse em paz, campeão
Laudo Natel!

DEPOIMENTO


DIDA SAMPAIO/ESTADÃO - 17/4/ 2020

Inquérito de vazamento na PF é reaberto


Senador. Defesa de Flávio Bolsonaro afirma que empresário tem interesse em prejudicá-lo

ACERVO/ESTADÃO -5/02/
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